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quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Audiência pública e os rumos da cultura em Porto Velho


Adailtom Alves Teixeira[1]

No último dia 03 de outubro ocorreu uma Audiência Pública sobre cultura na Câmara Municipal de Porto Velho. A demanda surgiu das provocações do Movimento PaCultura, que tem mexido com a cena cultural da cidade no que tange às políticas públicas. O coletivo pressionou para que a Funcultural (Fundação Cultural de Porto Velho) realizasse a Conferência Municipal de Cultura, seguida do acompanhamento da posse do novo Conselho de Cultura e agora essa Audiência – que, diga-se de passagem, durou meses até conseguirem, pois o pedido havia sido protocolado em março desse ano. O PaCultura vem se reunindo desde fevereiro e desde lá, muitas águas rolaram.

O dado mais importante da Audiência, presidida por Edwilson Negreiros (PSB) – e também atual Presidente da Câmara – é que o movimento obteve o compromisso do vereador a não votar o orçamento do próximo ano sem antes destinar uma porcentagem ao Fundo Municipal de Cultura. Cabe ressaltar que os artistas que lá estavam sugeriram o mesmo percentual do Estado de Rondônia: 0,5%. Se for destinado esse aporte de recursos para a Cultura, será o início de uma mudança significativa para os fazedores de arte da cidade. Claro, isso deve vir por meio dos programas já existentes e de editais transparentes, mas o passo inicial para qualquer política pública é que haja recursos.

A relação de quem faz cultura com os entes estatais sempre passou por momentos bons e conflituosos desde a Grécia Antiga. Mas sempre que há no Estado (município, UF e União) pessoas comprometidas com os avanços civilizacionais, nesses momentos as políticas públicas dão uma guinada e todos ganham, sobretudo os cidadãos, destino final de toda e qualquer política pública importante.

É fato que todas as pessoas têm uma forte relação com as artes, inclusive os políticos, por isso, via de regra, não se colocam contra. Todos têm algum momento marcante de suas vidas em que obras artísticas são lembradas: um poema, uma música, um filme um local histórico etc. Dessa forma, “ninguém” é contra a cultura, muito embora ela seja sempre a última área a ser pensada. E, ultimamente, artistas vem sendo criminalizados, como se eles não fossem importantes para o desenvolvimento do país.

A cidade de Porto Velho já tem algumas leis que não vem sendo cumpridas: Sistema Municipal de Cultura, Fundo Municipal de Cultura, Lei 1820 de 2009 (Programa de Fomento ao Teatro). Passou da hora do poder público dar a devida atenção a este problema. É preciso fazer com que essas leis saiam do papel.

O sociólogo Zygmunt Bauman em seu livro A cultura no mundo líquido moderno (2013) afirma que “Entre 1815 e 1875 [portanto, pós-revolução francesa, pós-terror, passando pela Primavera dos Povos e a Comuna de Paris], o regime do Estado mudou cinco vezes. A despeito das drásticas diferenças entre eles, um tema estabelecido por seus predecessores foi aceito sem questionamento: a necessidade de as autoridades do Estado prosseguirem em seus esforços no sentido de esclarecer e cultivar, noções agora coletivamente conhecidas como desenvolvimento e disseminação da cultura.” Mesmo o regime tendo mudado cinco vezes, repito, o regime, ninguém questionou o significado das artes e da cultura para aquelas sociedade, bem como a importância de investimento para o seu desenvolvimento. E hoje, esse é um dos países que miramos e vemos como civilizado.

Lembro um grande diretor de teatro, Amir Haddad, quando afirma que “os políticos fazem o país, os militares fazem a pátria, mas só os artistas fazem uma nação”. Ainda que tenha exageros nessa máxima, quando lembramos de Portugal pensamos em Camões, Fernando Pessoa, no fado; o Brasil é conhecido lá fora pela sua música, sua cultura popular, como o carnaval etc. Via de regra são os artistas, as obras artísticas, os monumentos patrimoniais  que nos fazem lembrar dos lugares, das cidades, dos países e marcam nossa história pessoal e coletiva. Por que então a arte e a cultura são tão negligenciadas?

No âmbito nacional gostaria de destacar as três dimensões da cultura, presentes no Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010), do qual Porto Velho é signatário: Dimensão simbólica, cidadã e econômica. A dimensão simbólica reconhece que todo ser humano é capaz de criar símbolos que se expressam nos costumes, nas artes, na culinária, nas crenças etc. A dimensão cidadã, reconhece a cultura como direito social, já presente na Constituição de 1988, isto é, por meio das políticas públicas, as pessoas devem acessar os “meios de produção, difusão e fruição”. A dimensão econômica, coloca a cultura como estratégia do desenvolvimento econômico.

E aqui é importante atentarmos ao fato e vermos a cultura como geradora de renda e empregos – em tempos de desempregos massivos, é fundamental o investimento em arte e cultura. Cito dois exemplos, para que se entenda a complexidade da cadeia produtiva das áreas artísticas – cabe destacar que cada linguagem tem suas especificidades. Vamos aos exemplos: um festival de teatro quando recebe recursos, por não lidar com a lógica da acumulação, faz com que todo o dinheiro circule por outras áreas: gráficas, transportes aéreos e terrestres, hotéis, restaurantes, até pequenos ambulantes ganham, além disso, os demais comércios, pois os artistas consomem no lugar onde ocorre o festival; um outro exemplo recente, o filme Bacurau impactou direta e indiretamente mais de 800 pessoas, apenas um único produto cultural mobilizou essa quantidade de pessoas. Isso talvez explique o pequeno milagre que a cultura brasileira opera: os investimentos na área nunca chegam se quer a 1%, mas a economia da cultura é responsável por quase 3% do PIB nacional.

Penso que fica claro a importância da Audiência Pública e do comprometimento do Presidente da Câmara em haver orçamento para a área cultural no próximo ano. Fica claro também a importância de mais artistas participarem do Movimento PaCultura, afinal as conquistas vêm organização e luta. Por fim, cabe destacar, que a vitória não está assegurada, é preciso acompanhar e cobrar os recursos e o funcionamento do Fundo Municipal de Cultura, só assim, talvez tenhamos o desenvolvimento de todas as linguagens artísticas em Porto Velho.


[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; integrante do Teatro Ruante; articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua.

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