Pesquisar este blog

sábado, 18 de julho de 2020

Um chá pra lá de Bagdá - ou de como sobreviver aos tempos de guerra


Adailtom Alves Teixeira[1]

O teatro é arte da presença, em que público e artistas se encontram mediados por um objeto estético, o espetáculo. Mas como fazer teatro no tempo que estamos a viver? Não faz. Os artistas teatrais (mas não só) foram os primeiros a pararem e serão os últimos a retornarem. Então não faz? Faz sim. São muitas as experimentações, as tentativas de relação mediados pela tecnologia. São muitas as invenções e reinvenções. A arte e os artistas resistem.
Mas, e como fica a relação presencial? Talvez, de agora em diante, passemos a entender teatro como uma arte que se dá no tempo presente, mas do que na presença. No entanto, mais importante do que conceituar, relatar as experiências, estas são mais significativas e nos ensinam muito mais. Conceitos, definições virão a posteriori.
Print de tela do celular em Chácomigo.
Zahara (Júnior Lopes), Thaís e Adailtom.
Júnior Lopes, ator, professor, pesquisador teatral, desloca a personagem Zahara do espetáculo Tabule e a coloca em uma nova relação, uma nova história, mediada pela tecnologia. Trata-se de Chácomigo. Isso explica a brincadeira do título desse texto. A expressão pra lá de Bagdá, no popular, significa tanto algo muito distante, como ultrapassar certos limites dos sentidos, por exemplo quando se bebe muito. A personagem Zahara, que veio do Líbano, nos coloca pra lá de Bagdá no chá que tomamos com ela à distância; limites são rompidos nesse encontro. Ela, Zahara, uma sobrevivente de duas guerras, vem (ou vai) trocar com três espectadores em uma chamada de WhatsApp, suas histórias e vivências, para que possamos sobreviver ao momento atual.
Em tempos pandêmicos trocar histórias, contar e ouvir, é fundamental na (re)construção dos afetos. Pelo menos é o que nos ensina Giovanni Boccaccio com seu Decamerão, que reúne no campo sete moças e três rapazes, que fogem da peste que ocorreu no reino de Floresça em 1348. As histórias fazem o tempo passar, carregam significados, ensinam, permite a troca de experiência. É o que sentimos em Chácomigo. Nos transportamos a outro lugar, ainda que cada um esteja em sua casa em frente a pequena tela do celular, o tempo vai e não vemos passar, aprendemos com a cultura libanesa, personagem e público dialogam bastante (algo difícil nos dias de hoje) e saímos tocados e transformados dessa relação tecno-presencial.
O teatro aconteceu! Apenas para três espectadores – no dia que participei, dia 18 de julho de 2020, na verdade foram apenas dois, pois a terceira pessoa teve problemas pessoais e não conseguiu estar presente. Uma troca potente, de fortalecimento de nossa humanidade, sobretudo porque estamos todos vivendo em meio ao caos.
Maiores informações sobre o projeto e de como participar acessem https://www.youtube.com/watch?v=OrQ2ktkz8iE&feature=youtu.be



[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; doutorando em Artes pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); mestre em Artes pela mesma instituição; ator, diretor teatral e integrante do Teatro Ruante.