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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Mado: poesia, teatro, música e educação popular


Adailtom Alves Teixeira[1]

Carlos Macedo, o Mado, filho da terra, um autêntico beradeiro, chega ao mundo em 1953. Em suas memórias três momentos são fundamentais: a infância em que cria todo um imaginário sobre Porto Velho, a adolescência, momento de afirmação de sua identidade e os anos 1980, momento da sua formação política. Dessas três etapas, pode-se dizer que o artista Mado passou da descoberta do quintal de sua casa, ampliou para a cidade e depois descobre o Brasil e a América Latina, como frisou.

Além dos três momentos, quatro linhas-escolas-linguagens lhe acompanha: a poesia, o teatro, a música e pedagogia popular. Da primeira, muito presente na sua forma de falar, desenvolve o que chama de poesia falada. Da música, apesar de não ter desenvolvido técnica para tocar nenhum instrumento, afirma ter desenvolvido uma sensibilidade para o escutar e isso lhe acompanha no seu modo de ser e de construir sua arte. A terceira, a pedagogia popular, tem como referência o método Paulo Freire, que aprendeu e desenvolveu junto aos movimentos populares na década de 1980, aí, pode-se afirmar, que descobriu sua classe e por meio dessa pedagogia pode ajudar a organizar pessoas para se expressarem com teatro as suas reais demandas, sempre em uma busca por liberdade.

A liberdade é algo caro ao poeta Mado, pois mesmo quando lhe é perguntado de forma objetiva, em certo enquadramento cartesiano que cabia ao meu papel de mediador, o artista não se intimidava e contornava ou criava outros percursos para expressar ou (des)responder sobre o perguntado, fugindo da prisão das caixas de enquadramento da academia.

Rico de histórias, carrega a memória de Porto Velho em seu corpo, em seu vocabulário, em suas palavras geradoras; estas, as palavras, saem de sua boa e de seus poros com uma dramaticidade ímpar, na medida em que são denúncias, mas são também carregadas de um lirismo ribeirinho-caboclo-amazônida-sul americano, em enfrentamento direto a tudo que nos rodeia e que é hegemônico, logo, oprime. Seu teatro, se dá pelas margens, escolha que fez sabendo do alto preço a ser pago, mas daí advém sua liberdade. 

Nossa intenção no projeto Conversa de Quinta não é hierarquizar a cena, por isso mesmo a ideia é levantar todas as formas teatrais e todos aqueles que produziram ou estão produzindo. Assim, mesmo o adjetivo “marginal” aqui expresso, não visa criar um juízo de valor, mas expressar o que Mado chamou de “outro caminho”. Para ele, existiam, sobretudo nos anos 1980 e 1990, duas cenas: uma que ocupava os lugares ditos “próprios” para essa linguagem, e o teatro que ia por "outros caminhos". Ainda que, talvez pudéssemos afirmar, que toda a produção daqui, em relação ao eixo sul-sudeste, pudesse ser vista como marginal. O caminho escolhido por Mado é, na verdade, aquele que não separa a arte da vida, não separa a arte da política e, por isso mesmo, via de regra, negligenciado pela história oficial.

O poeta, ator e diretor Mado, continua a produzir, seja realizando suas oficinas juntos às comunidades, movimentos populares, seja apresentando-se nos espaços culturais da cidade, seja dirigindo, inclusive em contato com uma geração que chegou a pouco à cena. Após nossa conversa, no fim de semana (30 de setembro e 1º de outubro), haverá estreia de uma peça que escreveu e dirigiu: Inventamos de se ver, com Amanara Brandão e Rafael Barros, no Espaço Cojuba.

Esse encontro ocorreu no dia 28 de setembro, na Sala do Piano - Unir Centro. Acompanhe toda a conversa no link abaixo:





[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em Artes pela Unesp; ator e diretor teatral. 

domingo, 17 de setembro de 2017

Fabiano Barros: humanizando mitos

Adailtom Alves Teixeira[1]

O autor e diretor Fabiano Barros foi o convidado do Conversa de Quinta: arte e cultura em debate do dia 31 de agosto de 2017. Pernambucano de Recife, desde criança esteve envolvido com a arte teatral, no entanto, como afirmou, sempre foi um “péssimo ator”, daí sua escolha pela escrita. A direção também veio por acaso, “como ninguém queria encenar meus textos, eu tive que dirigir”, foi a sua afirmação no encontro que provocou muitas reflexões e risadas nas pessoas que ali estavam presentes.

Fabiano chegou a Porto Velho ainda muito jovem, 19 anos, em 1990. Enturmou-se rapidamente com os fazedores de teatro da cidade, dentre os quais citou Heleninha e Francis Madson. Lembrou com saudade quando saía pela Avenida Sete de Setembro, no centro de Porto Velho, catando papelão para construir seus cenários. Da mesma forma que lembrou com alegria de quando pediu pra mãe, ainda em Recife, lhe pagar por um curso de teatro, já que, praticamente fugiu do curso de enfermagem ao presenciar um parto. A mãe lhe pagou o curso, o que lhe rendeu muitas refeições à base de cuscuz e charque, pois, na sua memória deveria equivaler a 30% do que ela ganhava.

Essas lembranças do artista provocaram momentos agradáveis, com muito riso, mas nos faz refletir e pensar sobre a condição de artista, sobretudo de teatro, isto é, de como somos forjados. Seja pela ausência de uma política de formação nesse campo artístico, ainda não disseminado em todo o país, seja pela desvalorização do campo das artes no Brasil. São muitas as reflexões que podemos fazer e muitas as conclusões a que podemos chegar a partir das memórias apresentadas por Fabiano Barros: como se forma um artista? Como essa formação de vida influenciará sua produção futura? Quais parceiros, pessoas, mestres são importantes nessa caminhada? O autor citou alguns.
Mas foi com os jovens de teatro que encontrou em Porto Velho quando aqui chegou que criou o grupo Fiasco, com o qual vem trabalhando desde então: escrevendo, dirigindo. Os atores e atrizes já não são os mesmos, mas é com o Fiasco que tem levado adiante sua experimentação.
O autor falou um pouco do seu processo de escrita: ele vai acumulando a temática, o assunto, lendo, pesquisando, ouvindo e criando em sua cabeça e quando decide escrever, sai todo de uma vez, aos borbotões, ou como se costuma dizer: em uma sentada. O autor afirmou que não consegue escrever aos poucos.

Fabiano graduou-se em Licenciatura em Teatro (2013) pela Universidade de Brasília, um curso à distância, em parceria com a Universidade Federal de Rondônia, e o primeiro nessa área em Rondônia. Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi justamente sobre o que vem pesquisando e se debruçando em suas criações e que tem chamado de “humanização dos mitos e lendas amazônicos”. A partir dessa pesquisa, por exemplo, foram criados os espetáculos Nove Luas e Ópera Beradeira. O primeiro abordando a lenda do boto e o segundo a lenda da Iara.
Em seu TCC, Fabiano defende que os mitos e lendas são “escapatórias de comportamentos inadequados”, no entanto, compõem a identidade cultural dos amazônidas: As lendas como as do boto, da cobra grande, da vitória-régia, do guaraná, Ajunicaba, a origem da mandioca, a origem do rio Amazonas e tantas outras, são mitos de origem e fazem parte do conjunto de conhecimento do homem amazônico. (...) A nível nacional é impossível tentar retratar a Amazônia sem mencionar nem retratar seus contos e lendas”.
Fabiano Barros também falou de sua experiência em gestão de cultura. Ele esteve por anos à frente da Coordenação de Cultura do SESC Rondônia, onde pode coordenar e criar muitas ações para o teatro, mas não só para essa área. Atualmente trabalha na SEJUCEL onde, como afirmou, vem buscando desenvolver ações que possam permanecer no campo das políticas públicas, embora reconheça que a máquina do estado seja mais complexa e difícil.
Acompanhe o encontro e a conversa no link abaixo:




[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da UNIR; Mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); coordenador do projeto Conversa de Quinta.