IM-PE-CÁ-VEL!
Não tem como iniciar uma análise sobre esse monólogo sem conferir ao espetáculo
esse status.
É claro que
deveria haver de minha parte uma certa imparcialidade na escrita deste texto.
Todavia, Traga-me a cabeça de Lima Barreto é, talvez, uma das obras que
mais me impactaram em toda a minha existência nessa ou nas vidas passadas das
quais não me lembro. Tal impacto surge pela atuação inquestionável e ao extremo
elogiável de Hilton Cobra, que é uma das maiores referências do teatro
representativo dos negros na atualidade, e pela abordagem do espetáculo que por
vários momentos nos faz questionar em que momento da existência o ser humano
perdeu sua humanidade, ou se um dia ela a teve.
Hilton Cobra como Lima Barreto. Foto Raíssa Dourado. |
Hilton Cobra,
um homem/deus/ator de um pouco mais de um metro e meio de altura, agiganta-se
ao exumar a consciência de Lima Barreto e a incorporada em si. Lima Barreto é o
maior autor assumidamente negro da literatura Clássica Brasileira. É claro que,
como todo mundo sabe e o próprio Lima Barreto assume no palco, neste monólogo,
o maior escritor brasileiro é Machado de Assis que, por coincidência, era
preto, e digo coincidência, pois Machado não se assume preto em sua obra e a
elite brasileira o embranquece para que possam consumir suas escrituras. Bem,
não estamos aqui para falar de Machado.
Por meio do
pequeno homem, gigante ator, uma entidade se materializa no palco, deixando a
plateia em choque por tomar nota do que muitos ainda não sabiam, os eugenistas
foram/são reais - ainda que nos dias atuais pareça absurdo o conceito pregado
pela eugenia, um dia fora objeto de argumentação de muitos teóricos para
endossar seus preconceitos contra os negros ao afirmarem que negros são
cognitivamente inferiores aos brancos.
O espetáculo
se passa em uma espécie de sala do purgatório, do céu, do inferno, ou
simplesmente da memória de Lima Barreto, viva perpetuamente em sua obra
inesquecível e indestrutível. Do piso e paredes brancas saltam palavras. Duas
caixas de som que são personificadas durante o espetáculo, respondendo,
perguntando, acusando e julgando o autor-personagem. Uma cadeira, uma cesta,
cachaça e livros. É nesse cenário, à primeira vista simples, mas muito bem
explorado, que é encenado um dos melhores textos da atualidade - e aqui cabe
muitos elogios à direção do espetáculo, à iluminação e à sonoplastia, que não
deixaram de usar nenhum milímetro do que tinha para ser explorado do texto, do
ator e do cenário.
Foto Raíssa Dourado. |
No decorrer do
espetáculo - que brinca em ser clássico e contemporâneo, com muitas marcações
que são executadas com precisão - alívios cômicos, provocados pelas interações
com a plateia. Os alívios vindos com os risos, são muletas para que o público
segure a emoção - que por vezes precisou usar os dedos, lenços, ou camisetas
para secar os olhos, para conseguirem chegar ao fim do espetáculo e virem Lima
Barreto no auge de seu confortável e merecido descanso com a glória de um
deus.
[1]
Édier
William Medeiros da Silva, graduado em Letras, FIAR (2012), Especialização em
Metodologia do Ensino Superior, FAEL (2016), Técnico em Produção Audiovisual,
CEP (2015). É escritor, dramaturgo, ator, diretor e produtor cultural.
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