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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Chicão Santos: quatro décadas de teatro

Adailtom Alves Teixeira[1]

Dia 30 de novembro tivemos o último encontro do ano do projeto Conversa de Quinta: arte e cultura em debate, recebemos Chicão Santos, diretor e produtor teatral. Capixaba de São Mateus, o artista está em Rondônia desde 1976 e começou a fazer teatro em 1978 na cidade de Cacoal, onde criou ou participou de alguns grupos teatrais.

Com quase 40 anos de teatro, a história de Chicão Santos se confunde com grande parte da história do próprio estado e o artista tem os períodos e as datas muito vivas em sua memória, o que reforçou ou clarificou datas e dados de convidados anteriores, como, por exemplo, a chegada do Sindicato dos Artistas na década de 1990. Ao invés de reforçar a prática dos artistas amadores, o sindicato vai cobrar uma profissionalização que não existia, fazendo com que os artistas diminuam as produções e, por causa disso também, fez surgir um importante festival em Porto Velho: o FEMUT – Festival Estudantil Municipal de Teatro, de onde saíram muitos artistas presentes na cena de hoje.

Chicão fez teatro no interior de Rondônia, teve uma rápida passagem por Brasília e depois chegou à capital. Destaco duas importantes contribuições após sua chegada a Porto Velho: a criação do grupo O Imaginário e o Festival Amazônia Encena na Rua.

O Festival Amazônia Encena na Rua é uma referência nacional para quem faz teatro de rua e projetou a imagem da cidade para o restante do país. Muitos coletivos de todas as partes do Brasil já passaram pelo festival, com um público de dezenas de milhares de pessoas.

Já o grupo O Imaginário, a doze anos vem contribuindo com a cena portovelhense, contribuindo com uma pesquisa que tem focado no universo feminino, principalmente no que tange a violência a esse grupo social. A pesquisa, segundo Chicão, iniciou com a vinda de Bya Braga, que ministrou uma oficina e trabalhou um processo a partir da peça de William Shekespeare, Rei Lear, focando nas mulheres dessa peça. A partir daí mergulharam nas histórias das mulheres no período do ciclo da borracha, de onde surgiu a performance Ponto de Fuga, que deu origem ao espetáculo Filhas da Mata.

Filhas da Mata percorreu 40 cidades das cinco regiões do Brasil no projeto do Sesc chamado Palco Giratório. Se tornando o segundo grupo do estado a circular nacionalmente. O primeiro, confirmado por Chicão Santos, foi Água de Chocalho, do qual participavam Bira Lourença, que hoje contribui com O Imaginário, criando as trilhas das peças.

Ainda no universo feminino veio Mulheres do Aluá, criado a partir de processos judiciais do início do século XX e contou com a contribuição na pesquisa da poetiza Nilza Menezes. O espetáculo percorreu outro projeto importante: Amazônia das Artes. Ainda com contribuições da poetiza Nilza Menezes, especificamente de seus versos, veio um outro espetáculo: A arma da mulher é a língua.

Chicão tem contribuições também no campo da política pública, onde tem militado, como informou, desde a década de 1980, mas de forma institucional. Além disso, O Imaginário coordena o espaço Tapiri, sede do grupo e onde são desenvolvidas diversas atividades teatrais, sobretudo oficinas.

Acompanhe toda a conversa no link abaixo:

https://youtu.be/tE4k1rZZv6g


[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; mestre em Artes pela UNESP; coordenador do projeto Conversa de Quinta.



domingo, 29 de outubro de 2017

Jória Lima: uma polivalente


Adailtom Alves Teixeira[1]

Jória Lima, manauara, ainda criança aportou na cidade de Porto Velho em 1981, quando Rondônia ainda era Território Federal. Atriz, diretora, dramaturga e produtora teatral, mas também advogada, até recentemente – antes de se tornar empresária –, levou essas duas atividades com naturalidade: a arte da cena e o campo do direito. Ela foi nossa convidada do Conversa de Quinta: arte e cultura em debate de 26 de outubro de 2017. A conversa ocorreu na Sala do Piano, Unir Centro.


A formação da Jória ocorreu em terras mineiras, Belo Horizonte, no Teatro Universitário (TU) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), teatro e direito respectivamente. Ainda em Minas começou sua carreira teatral, antes mesmo de terminar o curso no TU. Quando retornou para Porto Velho ofereceu muitas formações para jovens atores e atrizes que estão hoje na cena portovelhense.

Foi também em Porto Velho onde deu continuidade ao seu desenvolvimento como dramaturga, levando à cena a problemática local, seja a violência contra a mulher, seja discutindo o amor romântico, com a peça Cabaret. Esta última, criada por seu grupo, Anômade Cia de Teatro, foi um sucesso de público, apesar de ter sido apresentada apenas três vezes, levou milhares de pessoas ao Teatro de Arena da Praça da Madeira Mamoré.

Como diretora realizou montagens de dramaturgos importantes, como Nelson Rodrigues, de quem dirigiu Álbum de Família e Os Sete Gatinhos. Foi premiada em algumas de suas montagens, bem como homenageada como atriz em sua terra natal, Manaus.

Jória Lima também teve passagem pelo campo da gestão pública, inclusive recentemente, quando esteve três meses na Fundação de Cultura de Porto Velho, como adjunta do presidente Ocampo Fernandes, onde, segundo ela, buscou encaminhar ações importantes na área das políticas públicas de cultura, como a criação do Fundo Municipal de Cultura.

Empresária, atualmente Jória tem se dedicado a outra forma gestão: presta serviços na área de formação de treinamento de trabalhadores. Perguntada se abandonou o teatro, afirma que se for provocada a dizer ou discutir algo – pois é impulsionada a criar quando quer falar algo pro mundo –, retornará à cena.

Acompanhe toda a conversa no link abaixo[2]:





[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em Artes pela UNESP; ator e diretor teatral.
[2] Durante a gravação ocorreu um pequeno problema com a filmadora e alguns minutos deixaram de serem registrados, mas nada que atrapalhe o entendimento geral.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Mado: poesia, teatro, música e educação popular


Adailtom Alves Teixeira[1]

Carlos Macedo, o Mado, filho da terra, um autêntico beradeiro, chega ao mundo em 1953. Em suas memórias três momentos são fundamentais: a infância em que cria todo um imaginário sobre Porto Velho, a adolescência, momento de afirmação de sua identidade e os anos 1980, momento da sua formação política. Dessas três etapas, pode-se dizer que o artista Mado passou da descoberta do quintal de sua casa, ampliou para a cidade e depois descobre o Brasil e a América Latina, como frisou.

Além dos três momentos, quatro linhas-escolas-linguagens lhe acompanha: a poesia, o teatro, a música e pedagogia popular. Da primeira, muito presente na sua forma de falar, desenvolve o que chama de poesia falada. Da música, apesar de não ter desenvolvido técnica para tocar nenhum instrumento, afirma ter desenvolvido uma sensibilidade para o escutar e isso lhe acompanha no seu modo de ser e de construir sua arte. A terceira, a pedagogia popular, tem como referência o método Paulo Freire, que aprendeu e desenvolveu junto aos movimentos populares na década de 1980, aí, pode-se afirmar, que descobriu sua classe e por meio dessa pedagogia pode ajudar a organizar pessoas para se expressarem com teatro as suas reais demandas, sempre em uma busca por liberdade.

A liberdade é algo caro ao poeta Mado, pois mesmo quando lhe é perguntado de forma objetiva, em certo enquadramento cartesiano que cabia ao meu papel de mediador, o artista não se intimidava e contornava ou criava outros percursos para expressar ou (des)responder sobre o perguntado, fugindo da prisão das caixas de enquadramento da academia.

Rico de histórias, carrega a memória de Porto Velho em seu corpo, em seu vocabulário, em suas palavras geradoras; estas, as palavras, saem de sua boa e de seus poros com uma dramaticidade ímpar, na medida em que são denúncias, mas são também carregadas de um lirismo ribeirinho-caboclo-amazônida-sul americano, em enfrentamento direto a tudo que nos rodeia e que é hegemônico, logo, oprime. Seu teatro, se dá pelas margens, escolha que fez sabendo do alto preço a ser pago, mas daí advém sua liberdade. 

Nossa intenção no projeto Conversa de Quinta não é hierarquizar a cena, por isso mesmo a ideia é levantar todas as formas teatrais e todos aqueles que produziram ou estão produzindo. Assim, mesmo o adjetivo “marginal” aqui expresso, não visa criar um juízo de valor, mas expressar o que Mado chamou de “outro caminho”. Para ele, existiam, sobretudo nos anos 1980 e 1990, duas cenas: uma que ocupava os lugares ditos “próprios” para essa linguagem, e o teatro que ia por "outros caminhos". Ainda que, talvez pudéssemos afirmar, que toda a produção daqui, em relação ao eixo sul-sudeste, pudesse ser vista como marginal. O caminho escolhido por Mado é, na verdade, aquele que não separa a arte da vida, não separa a arte da política e, por isso mesmo, via de regra, negligenciado pela história oficial.

O poeta, ator e diretor Mado, continua a produzir, seja realizando suas oficinas juntos às comunidades, movimentos populares, seja apresentando-se nos espaços culturais da cidade, seja dirigindo, inclusive em contato com uma geração que chegou a pouco à cena. Após nossa conversa, no fim de semana (30 de setembro e 1º de outubro), haverá estreia de uma peça que escreveu e dirigiu: Inventamos de se ver, com Amanara Brandão e Rafael Barros, no Espaço Cojuba.

Esse encontro ocorreu no dia 28 de setembro, na Sala do Piano - Unir Centro. Acompanhe toda a conversa no link abaixo:





[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em Artes pela Unesp; ator e diretor teatral. 

domingo, 17 de setembro de 2017

Fabiano Barros: humanizando mitos

Adailtom Alves Teixeira[1]

O autor e diretor Fabiano Barros foi o convidado do Conversa de Quinta: arte e cultura em debate do dia 31 de agosto de 2017. Pernambucano de Recife, desde criança esteve envolvido com a arte teatral, no entanto, como afirmou, sempre foi um “péssimo ator”, daí sua escolha pela escrita. A direção também veio por acaso, “como ninguém queria encenar meus textos, eu tive que dirigir”, foi a sua afirmação no encontro que provocou muitas reflexões e risadas nas pessoas que ali estavam presentes.

Fabiano chegou a Porto Velho ainda muito jovem, 19 anos, em 1990. Enturmou-se rapidamente com os fazedores de teatro da cidade, dentre os quais citou Heleninha e Francis Madson. Lembrou com saudade quando saía pela Avenida Sete de Setembro, no centro de Porto Velho, catando papelão para construir seus cenários. Da mesma forma que lembrou com alegria de quando pediu pra mãe, ainda em Recife, lhe pagar por um curso de teatro, já que, praticamente fugiu do curso de enfermagem ao presenciar um parto. A mãe lhe pagou o curso, o que lhe rendeu muitas refeições à base de cuscuz e charque, pois, na sua memória deveria equivaler a 30% do que ela ganhava.

Essas lembranças do artista provocaram momentos agradáveis, com muito riso, mas nos faz refletir e pensar sobre a condição de artista, sobretudo de teatro, isto é, de como somos forjados. Seja pela ausência de uma política de formação nesse campo artístico, ainda não disseminado em todo o país, seja pela desvalorização do campo das artes no Brasil. São muitas as reflexões que podemos fazer e muitas as conclusões a que podemos chegar a partir das memórias apresentadas por Fabiano Barros: como se forma um artista? Como essa formação de vida influenciará sua produção futura? Quais parceiros, pessoas, mestres são importantes nessa caminhada? O autor citou alguns.
Mas foi com os jovens de teatro que encontrou em Porto Velho quando aqui chegou que criou o grupo Fiasco, com o qual vem trabalhando desde então: escrevendo, dirigindo. Os atores e atrizes já não são os mesmos, mas é com o Fiasco que tem levado adiante sua experimentação.
O autor falou um pouco do seu processo de escrita: ele vai acumulando a temática, o assunto, lendo, pesquisando, ouvindo e criando em sua cabeça e quando decide escrever, sai todo de uma vez, aos borbotões, ou como se costuma dizer: em uma sentada. O autor afirmou que não consegue escrever aos poucos.

Fabiano graduou-se em Licenciatura em Teatro (2013) pela Universidade de Brasília, um curso à distância, em parceria com a Universidade Federal de Rondônia, e o primeiro nessa área em Rondônia. Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi justamente sobre o que vem pesquisando e se debruçando em suas criações e que tem chamado de “humanização dos mitos e lendas amazônicos”. A partir dessa pesquisa, por exemplo, foram criados os espetáculos Nove Luas e Ópera Beradeira. O primeiro abordando a lenda do boto e o segundo a lenda da Iara.
Em seu TCC, Fabiano defende que os mitos e lendas são “escapatórias de comportamentos inadequados”, no entanto, compõem a identidade cultural dos amazônidas: As lendas como as do boto, da cobra grande, da vitória-régia, do guaraná, Ajunicaba, a origem da mandioca, a origem do rio Amazonas e tantas outras, são mitos de origem e fazem parte do conjunto de conhecimento do homem amazônico. (...) A nível nacional é impossível tentar retratar a Amazônia sem mencionar nem retratar seus contos e lendas”.
Fabiano Barros também falou de sua experiência em gestão de cultura. Ele esteve por anos à frente da Coordenação de Cultura do SESC Rondônia, onde pode coordenar e criar muitas ações para o teatro, mas não só para essa área. Atualmente trabalha na SEJUCEL onde, como afirmou, vem buscando desenvolver ações que possam permanecer no campo das políticas públicas, embora reconheça que a máquina do estado seja mais complexa e difícil.
Acompanhe o encontro e a conversa no link abaixo:




[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da UNIR; Mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); coordenador do projeto Conversa de Quinta.




terça-feira, 22 de agosto de 2017

FEMUT

Adailtom Alves Teixeira[1]

Arte do I Festival. Arquivo de Neri Rodrigues
No dia 29 de junho de 2017, na Sala do Piano – Unir Centro, ocorreu mais um Conversa de Quinta: arte e cultura em debate, dessa vez o motivo do encontro foi o Festival Estudantil Municipal de Teatro (FEMUT) e contamos com a presença de Elcias Villar, Kenny Frazão e Neri Rodrigues.

O Festival foi muito importante na década de 1990 e, de acordo com os debatedores, a presença do Sindicato dos Artistas, com mão pesada na cobrança pela profissionalização, o enfraquecimento da Federação Estadual de Teatro, levou os profissionais para dentro das escolas, que teve um grande impulso com a criação do FEMUT.

Muitos foram e são os profissionais que ainda hoje atuam e que saíram ou começaram suas carreiras no Festival, a própria Kenny, presente no encontro é uma delas. A atriz abriu sua fala com um vídeo, uma entrevista que fez com Cláudio Vrena[2], idealizador do FEMUT. O vídeo é parte do material que pretende transformar em documentário. Kenny Frazão também realizou seu Trabalho de Conclusão de Curso, Licenciatura em Teatro pela UnB/UNIR, sobre o citado festival e entrevistou muitos artistas, dentre os quais Neri Rodrigues.
Certificado de Neri Rodrigues do I Festival

Neri Rodrigues contou emocionado sua participação e sua premiação em diversos anos, com os espetáculos produzidos dentro do Colégio Tiradentes. Além disso, levou ao encontro parte de seu acervo, que continua bem conservado e foi fotografado e alguns itens são aqui apresentados. São programas, cartazes, certificados, entre outros. O artista teve uma participação bastante intensa, chegando a ter três espetáculos concorrendo em um mesmo ano. A julgar pelas falas e o encontro, seu principal concorrente no FEMUT era Elcias Villar.

Elcias, hoje técnico na área de cenografia do Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR, além de dirigir, chegou a organizar o festival quando estava na gestão pública do município. Um ponto a destacar de sua fala, foi quando levou um espetáculo com poucos elementos cênicos, apenas quatro banquinhos e os jurados disseram não se tratar de teatro, talvez pelo fato de cenografia ser um item importante na premiação. O fato é que a discussão e o desconforto gerados, abriram novos diálogos e depois vieram outros espetáculos de outros artistas com a cena quase vazia, modificando, assim, a visão sobre o teatro por parte dos jurados.
Programas do FEMUT de 1995 e 1996. Arquivo Neri Rodrigues

Na fala dos três, o FEMUT foi um festival muito significativo e importante e, conforme relatou Elcias, a prefeitura pretende retomá-lo. Sem dúvida uma proposta importante no incentivo e na formação de público, bem como no estímulo à formação na arte teatral.

Acompanhe toda a conversa no link abaixo:





Kenny, Neri, Elcias e Adailtom
  


[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da UNIR; coordenador do projeto Conversa de Quinta; mestre em Artes pela Unesp.
[2] O artista foi convidado para esse encontro também, no entanto, não pode comparecer. Vrena é artista plástico, ator, diretor e bonequeiro.
Link do vídeo:


domingo, 28 de maio de 2017

Zaine Diniz: das brincadeiras infantis para os palcos

Adailtom Alves Teixeira[1]

A sul-mato-grossense Zaine Diniz, nascida na pequena cidade de Fátima do Sul, na região de Dourados/MS, chegou ao estado de Rondônia a 25 anos, veio para trabalhar em sua área de formação: pedagogia. Pertencente a uma família de músicos, em sua lembrança atuava desde criança, quando inventava histórias com outras crianças da família e rodava o chapéu entre os mais velhos. Ainda assim, prefere dizer que começou a fazer teatro em Cacoal com Chicão Santos, hoje seu companheiro de arte e de vida. A música, as artes plásticas, as manifestações populares, como as festas juninas, fazem parte de sua vida, ser atriz, como afirmou, “é mais uma função”. Zaine faz essa afirmação como quem diz: a mulher já tem que fazer tantas coisas na vida, escolhi também o teatro como uma forma de expressão.
Foto: Patrícia Pessoa

Seu início ocorreu dentro do projeto “Salto Teatral”, em 1990, com o Grupo Essência das Coisas, que coordenava um espaço da prefeitura, onde ocorriam as oficinas teatrais nos fins de semana. Apesar de fazer teatro a bastante tempo, falou da dificuldade de manter-se nessa área; seu relato chama a atenção para a ausência de políticas públicas, sendo contemplada com editais públicos – aí já residindo em Porto Velho – apenas a partir de 2006, quando, finalmente acessam verbas federais. Zaine destacou ainda a falta de políticas públicas no município e o estado de Rondônia, por isso a dificuldade em se manter um trabalho continuado. Mesmo assim, só esteve longe dos palcos quando mudou de Cacoal e foi para uma cidade menor, período que coincide com sua gravidez.

Chegando em Porto Velho, ela trabalhou em quatro espetáculos do grupo Raízes do Porto, sobretudo os infantis, e que guarda com alegria em sua memória. Zaine destacou a importância de trabalhar em grupo, pois só coletivamente é possível “realizar algumas loucuras”, como afirmou. Paralelo ao trabalho no Raízes do Porto, fundou em 2005, novamente com Chicão Santos, O Imaginário. Em 2006 o grupo O Imaginário foi contemplado com o primeiro edital público, com o qual realizaram a montagem de O Mistério do Fundo do Pote, de Ilo Krugli (argentino radicado no Brasil) e direção de Narciso Telles. Com o espetáculo circularam todo o estado de Rondônia e a região Norte.
Foto: Patrícia Pessoa

Depois vieram outros espetáculos: Ponto de Fuga, As Sombras de Lear, trabalho desenvolvido com Bya Braga. É nesse trabalho que, segundo Zaine, veio o desejo de investigar mais a questão da mulher, do feminino e seus problemas em sociedade. Muitas foram as histórias de mulheres que recolheram, de onde nasceu As Filhas da Mata. Teve ainda as produções de Olhos Verdes da Neurose, Varadouro (pesquisa sobre os coronéis de barranco), A Ferrovia dos Invisíveis (sobre a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré). A última montagem, Mulheres de Aluá, criado a partir de processos jurídicos do início do século XX, circulou pela região Norte e ainda continua em cartaz.

Nem todas as produções Zaine está em cena, mas esteve envolvida de alguma forma com todos os processos realizados pelo O Imaginário, que, além dos espetáculos teatrais, coordena o espaço cultural Tapiri (próprio), onde é realizado um trabalho de formação desde 2012 e, além disso, o grupo idealizou e produz dois festivais: Mostra Tapiri de Breves Cenas e Monólogos e Amazônia Encena na Rua, uma referência  para os fazedores de teatro de rua do Brasil.
Divulgação: Mulheres do Aluá - Zaine Diniz, Amanara Brandão,
Agrael de Jesus e Flávia Diniz

Como se pode ver, muitas foram as realizações e as contribuições para a cena rondoniense. A própria Zaine afirmou que, ao preparar as fotos para mostrar para os presentes, não se dava conta do quanto já havia produzido. Que venham mais produções e realizações, ainda que os tempos não sejam favoráveis à arte.

Confira abaixo os links de áudio e vídeo do encontro realizado no dia 25 de maio de 2017, na Sala do Piano, Unir-Centro.










[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da UNIR; mestre em Artes pela UNESP; coordenador do Projeto Conversas de Quinta: arte e cultura em debate. 

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Críticas de Luciano Oliveira


Em julho de 2014 três professores universitários tomaram posse no Curso Licenciatura em Teatro e passaram a residir em Porto Velho. Dois vindos de São Paulo, um de Minas Gerais, são eles Adailtom Alves, Alexandre Falcão e Luciano Flávio Oliveira. Meses depois o curso ganhou o reforço de outro mineiro, o professor Luiz Daniel Lerro. Os três primeiros tem contribuído com a escrita acerca da produção teatral portovelhense. Os links abaixo são da produção do professor Luciano, críticas que estão presente em seu blog: https://lucianodiretor.com/




13/09/16 – O barato que sai caro para a formação de público para a dança (produção de outra cidade assistida em Porto Velho)


09/08/15 – Teresinhas – Grupo Meme (o espetáculo ocorreu em Porto Velho, mas trata-se de produção de outra cidade)



segunda-feira, 8 de maio de 2017

A brincante Suely Rodrigues


Adailtom Alves Teixeira[1]

No dia 27 de abril de 2017, às 19:00 h, na Sala do Piano – Unir Centro ocorreu o segundo encontro do Conversas de Quinta: arte e cultura em debate com a atriz, diretora, palhaça e, porque não, brincante Suely Rodrigues, também fundadora do grupo Raízes do Porto. O grupo fará esse ano 25 anos de existência, por si só é mais que um marco. Afinal, existir por tanto tempo produzindo teatro e mantendo um repertório em um país que padece da ausência de políticas públicas estruturantes, sem contar a ausência total no estado de Rondônia e no município de Porto Velho, é digno de nota e de reverência.
Foto: Adailtom Alves - Sala do Piano
Suely é uma pernambucana da cidade de Garanhuns/PE e, a julgar por sua narrativa, desde criança vivia o teatro, pois grande parte das manifestações populares que teve acesso na infância tem partes dramáticas: Boi Bumbá, Festa Junina, Maracatu, entre outros. As cores e a alegria dessas manifestações do povo aparecem no teatro realizado por Suely e quem esteve presente pode acompanhar um pouquinho da história e das imagens mostradas. Um pouquinho mesmo, pois não se consegue explanar 25 anos de história e produção em pouco mais de duas horas de conversa.
Segue os links da conversa, desse encontro com muitos momentos de emoção. Emoção por parte da convidada e dos presentes, que relataram a relação com o teatro do Raízes do Porto. Que venha mais 25 anos! Aproveitem esse documento, que é mais um capitulo significativo da história do teatro portovelhense.
Foto: Adailtom Alves

Vídeos
Parte 1
Parte 2

Áudio




[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro; coordenador do projeto Conversas de Quinta e da linha de pesquisa Memórias da Cena Amazônica do grupo de pesquisa PAKY`OP.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Ângela Cavalcante: de rio em rio, a nadar pro mar do teatro


Adailtom Alves Teixeira[1]

Atriz, diretora e professora, Ângela Cavalcante, fez o caminho inverso de muitas atrizes: cursava cinema na UFF (Universidade Federal Fluminense) e abandonou tudo pelo teatro, arte que cursou na Escola Técnica Martins Pena, no Rio de Janeiro, a mais antiga do país. Criadora e criatura de muitos grupos teatrais, saiu do Rio de Janeiro, circulou por diversos países latinos até pousar em Porto Velho em companhia de Alejandro Bedotti, companheiro de cena e de vida por muitos anos.

Passional, como se define em relação ao teatro (e à vida), teve oportunidade de estudar e trocar com pessoas significativas do teatro brasileiro, cabe destacar aqui Amir Haddad e Yan Michalski. Começou a fazer teatro em um momento difícil da história brasileira: ditadura civil-militar. Porém, em fins dos anos 1970, já se vivia o clima da abertura e da Anistia.

Fundou ou fez parte de muitos coletivos como Grupo del Silencio, Cipó e Quebracabeça. Além de ter participado do movimento da CONFENATA (Confederação Nacional de Teatro Amador) e participar de projetos de circulação nacional, pode criar projetos na área de arte-educação junto à Universidade Federal de Rondônia e na pasta da educação do município, de onde saíram diversos artistas.

Criou espetáculos a partir da temática local, sobretudo envolvendo os aspectos do meio ambiente e das lendas, mas também obras significativas da dramaturgia nacional, como A Falecida e Valsa nº 6 de Nélson Rodrigues e Revolução na América do Sul de Augusto Boal, entre outros autores.

Ângela considera o teatro uma ação política, sendo essa também a sua função, devendo sempre instruir, seja a quem faz ou a quem vê. E nisso não há nenhuma concepção pedagógica, no sentido de fazer do teatro algo doutrinário ou jesuítico. Teatro para a diretora é o ato de doar e receber, troca fundamental que só essa arte possibilita.

Traduzir em texto o encontro com Ângela Cavalcante é muito difícil, pois é de um impacto avassalador, a sua pessoa, suas histórias, suas memórias-rios que transbordam e nos inunda com imagens, poesia e a força de uma mulher de classe média que se joga no mundo para viver o teatro e o encontro com o humano.

O encontro ocorreu no dia 30 de março de 2017, na Sala do Piano-Unir Centro e faz parte do projeto de extensão Conversa de Quinta: arte e cultura em debate, realizado por mim. O registro pode ser assistido, ouvido nos links abaixo, mas é certo que o impacto, a força de Ângela Cavalcante, assim como o teatro, é sempre melhor ao vivo.

Áudio completo
https://soundcloud.com/adailtom-alves-teixeira/angela-cavalcante-30-03-17

Vídeo
https://youtu.be/asmyoVKXE_8
https://youtu.be/V2h8Vy5mGmQ

Reflexões




[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro/UNIR; coordenador da linha de pesquisa “Memórias da Cena Amazônica” do Grupo de Pesquisa PAKY`OP.


sexta-feira, 31 de março de 2017

O Rio Madeira, seus peixes e a história do Teatro de Porto Velho


José Maria Lopes Junior[1]

Ângela Cavalcante em Encontro de Quinta: arte e cultura em debate
Sala do Piano - Foto Adailtom Alves
Na quinta-feira 30/03 teve início o projeto “Conversas de Quinta: arte e cultura em debate”, uma ação de extensão do Curso de Licenciatura em Teatro da Unir, e coordenado pelo professor Adailtom Alves.

O projeto tem como objetivo organizar, registrar e cartografar a história do teatro de Rondônia a partir de relatos da memória narrados pelos convidados no Conversas de Quinta.

No primeiro encontro o público foi presenteado com uma grande aula/relato de Ângela Cavalcante. Ângela é atriz, professora da Unir, diretora teatral e uma das fundadoras do grupo Quebracabeça; foi também uma das responsáveis por implantar o primeiro curso acadêmico de teatro em Porto Velho, parceria da UNIR/UNB.

A convidada, de uma maneira sensível, sincera e descontraída, apresentou para o público sua trajetória teatral, a partir de um recorte artístico, ou seja, pelas peças apresentadas; um recorte histórico, por meio dos contextos do teatro em Porto Velho desde a década de 70 e que costuraram o seu fazer artístico;  e um recorte geográfico, a partir de seus deslocamentos teatrais,  saindo do Rio de janeiro, passando pela Bolívia, Peru, Chile, Uruguai e Argentina e por fim seus trânsitos pela Amazônia (Amazonas, Acre e Rondônia).

A partir de seus relatos, a atriz traz depoimentos que nos emocionam e mostram que o fazer teatral e os momentos históricos que passamos é um constante ir-e-vir. Um começar-recomeçar, inventar-reinventar. Ouvir a narrativa de Ângela foi uma valiosa aula de história do teatro, não só rondoniense, mas nacional. O micro e o macro se entrelaçavam em suas narrativas. A América Latina ficou muito próxima da gente em seus relatos. As angústias, inquietações, alegrias e frustrações de uma atriz que toma a sua trajetória para falar do sentido do teatro em seu percurso, da formação de grupos teatrais, da relação com a política, dos impasses com governos e ditadura.
Ângela Cavalcante e Alejandro Bedotti em cena - Foto recolhida na internet

Os relatos da memória de Ângela trouxeram à tona questionamentos sobre o fazer artístico e as relações com a política de uma Rondônia de antes e de agora. Ela não narrou um relato perdido do passado. Pelo contrário, atualiza passados presentes. O seu testemunho nos instiga a pensar o nosso contexto atual nacional e rondoniense. Nos deixa a certeza de que é sempre necessário olhar para traz e consultar a história e a memória para que assim, possamos entender e se colocar no presente.

Enriquecedor escutar a narrativa dessas quatro décadas sobre os caminhos e obstáculos do teatro em Porto Velho, e assim chamar a nossa atenção de que somos piabinhas diante de grandes peixes que já enfrentaram o nosso Rio Madeira. Assim, é sempre necessário resgatar a história, a memória para que não mergulhemos na ingenuidade de que estamos reinventando o tablado no Teatro de Rondônia. Terra de constantes recomeços e que muitas vezes dá a impressão que tudo está sempre começando a partir de agora. Sem olhar para traz e ver os grandes cardumes de peixes que por aí estão e já fizeram histórias.

Parabéns Ângela, sucesso para o projeto.




[1] Doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia; professor adjunto da Universidade Federal de Rodônia, Licenciatura em Teatro.

terça-feira, 28 de março de 2017

A força da memória


Adailtom Alves Teixeira[1]

O autor galês Raymond Williams, em seu texto A cultura é algo comum, apresenta o termo cultura com dois sentidos fundamentais: modo de vida e a maneira como se aprende e se expressa um povo. Assim, a cultura é algo comum a todas as sociedades humanas, que se expressam por meio das instituições, das artes e do conhecimento, revelando, dessa forma, todo o poder de expressão de um povo, uma comunidade, um grupo social.


E é justamente ao compreendermos esse sentido da cultura que o Projeto Quilombo, realizado pelo O Imaginário, exprime toda sua força. Seja como recuperação da memória de uma comunidade, seja por travar diálogo com realidades distintas, isto é, permitindo àqueles que não são quilombolas poderem se aproximar um pouco dessa história, a partir do levantamento de material e da criação de uma exposição e uma videodança. Além disso, trouxe algumas pessoas do universo pesquisado, proporcionando, para quem compareceu ao Tapiri (sede do grupo), momentos de trocas e diálogo.

O Imaginário foi criado em 2005, de lá pra cá vem contribuindo com a cena portovelhense e amazônica por meio de seus espetáculos, bem como com a realização de grandes projetos, como o Festival Amazônia Encena na Rua – uma referência nacional para grupos e artistas que praticam o teatro no espaço aberto. O Projeto Quilombo é mais um mergulho na cultura rondoniense, nesse caso, na cultura de matriz afro, universo, ainda pouco conhecido e marginalizado.

Maurice Halbwachs, em seu livro A memória coletiva, afirma que, quando um grupo social se insere em determinado espaço, ele “(...) o molda à sua imagem, mas ao mesmo tempo se dobra e se adapta a coisas materiais que a ela resistem” (2008, p. 159). O projeto tem muitos elementos importantes, o primeiro é nos revelar parte dessa cultura ainda pouco conhecida. O que fica claro, como deixa transparecer Halbwachs, é que o quilombo rondoniense é distinto daqueles que conhecemos no Sudeste, por exemplo. É possível perceber traços da cultura ameríndia na expressão dos quilombolas. Dessa forma, seja pelas características da região, seja por causa do contato com os povos do lugar, os primeiros negros moldaram e foram moldados pelo lugar. Logo, trazer à tona parte dessa história já é, em si, meritório e significativo para todos que se interessam pela cultura em nosso Estado.

Outro aspecto diz respeito à autoestima que um projeto dessa natureza pode provocar nas pessoas pesquisadas, já que se trata de uma cultura historicamente negligenciada e que vem lutando para se afirmar. Apesar de algumas conquistas, sabemos, que esse grupo social ainda tem muito por conquistar, como fica patente pelos relatos no documentário – mais um dos produtos gerados pelo projeto.

Ainda em relação a autoestima, aproveito para relatar a beleza estampada nos olhos de uma participante do projeto, na condição de detentora do conhecimento de sua história e que apresentou seu relato para o projeto. Em nossa conversa, tons de saudade e a alegria de poder viver aquele momento, ao se ver representada pelo projeto no espaço do Tapiri.

Edna Almeida, educadora de trânsito em Guajará-Mirim e que, como disse, fez questão de estar presente no lançamento da exposição, da videodança e do documentário, frutos do Projeto Quilombo. Pudemos fruir a exposição juntos, eu, ela e Chicão Santos. Depois o último, na condição de anfitrião e de produtor, se retirou devido a seus afazeres e ficamos vendo as fotografias expostas na parede e no ar, penduradas por uma estrutura, decoradas por chitas. Difícil descrever e traduzir a alegria, a emoção da Edna em se ver ali representada, embora não tivesse fotos suas, mas dos seus. Ela repetiu algumas vezes: “essa é a minha história.” Alguns momentos seus olhos marejaram ao ver o rio e as pessoas nas imensas fotografias à nossa frente; citava os nomes de cada homem e de cada mulher daquelas imagens. Falou também da dança típica, o rasqueado, dos momentos religiosos, todos registrados em fotos à nossa frente.

As fotos de autoria de Andréa Melo, Chicão Santos e Raíssa Dourado são belíssimas, não só pela plasticidade, pelas cores, mas, sobretudo, porque captaram movimentos de trabalho, de lazer e religiosidade, isolando-os, ao mesmo tempo em que revelam a geografia espacial e humana. Se, grosso modo, dança é organização do movimento no espaço, cada fotografia, captou movimentos da dança maior que é a cultura dos quilombos rondonienses. A videodança, segue na mesma linha, a diferença é que os põe em movimento. Assim, os dois vídeos (GuariterêBenguela e Quilombolas: veias negras do Guaporé), a exposição e o encontro ao som do rasqueado se completam, ao transpor para a cidade de Porto Velho, ainda que de forma momentânea, a cultura quilombola do Vale do Guaporé.

Por fim, cabe informar que o Projeto Quilombo, Residência Artística Flutuante pelas águas do Vale do Guaporé, no Estado de Rondônia – Amazônia, foi contemplado pelo Prêmio Funarte Klauss Vianna de dança de 2015 e vem sendo realizado desde agosto de 2016, o que demonstra a importância das políticas públicas de cultura para viabilizar projetos dessa importância, sem apelo comercial, mas fundamental para enriquecer o nosso imaginário.

Bibliografia
HALBWCHS, Maurice. A memória coletiva. Trad.: Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2008.
WILLIAMS, Raymond. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. Trad.: Nair Fonseca, João Alexandre Peschaski. São Paulo: EDUNESP, 2015.




[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista(UNESP); Membro do Grupo de Pesquisa Paky`Op; Membro do GT Artes Cênicas na Rua da ABRACE; Articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR); ator e diretor do grupo Teatro Ruante.