Adailtom Alves Teixeira[1]
Precisamos ir para as
ruas! Temos de destruir esta arquitetura que separa os homens.
Julian Beck
Vivemos tempos em que as ruas voltam a pulsar. Em Porto Velho, a Praça Pequeno Vitor Emanuel, no bairro São João Bosco, foi recentemente ocupada por dois importantes eventos: o Festival PalhAçaí, realizado pelo Teatro Ruante nos dias 30 e 31 de maio e 1º de junho, e o Festival Amazônia Encena na Rua, realizado pelo O Imaginário entre os dias 4 e 8 de junho. Ambos devolveram à cidade aquilo que lhe pertence: o encontro entre o artista e o povo, o riso e a denúncia, o jogo e a reflexão. Foram noites agradáveis, sem paredes, sem palco elevado, sem ingresso.
Teatro Ruante - Selma Pavanelli, palhaça Tinnimm Foto Maycon Moura |
Os citados festivais não são
apenas momentos de celebração artística, são afirmações políticas e
existenciais. Em um mundo marcado pelo isolamento, pela especialização extrema
e pela alienação — tristes heranças do capitalismo tardio —, ir para a rua é um
ato de resistência. A arte, especialmente o teatro de rua, é uma ferramenta de
humanização: cria laços, desafia certezas, convoca o coletivo.
O teatro de rua rompe com os
muros simbólicos e concretos que separam as pessoas. Ele não exige trajes
específicos, nem silêncios reverentes. Ele se impõe pelo gesto e pela palavra
no meio da cidade, onde a vida pulsa. Nesse sentido, como bem apontava o ator e
diretor Julian Beck, há dois tipos de teatro: o que adormece e o que desperta. Penso
que o teatro que desperta é aquele que escolhe a rua como espaço de
manifestação e a cidade como interlocutora. Evidente que tal pontuação não visa
criar uma hierarquização entre os diversos teatros, não é esse o objetivo.
Historicamente, o teatro
sempre esteve atrelado à polis. Na Grécia antiga, era uma ferramenta de
reflexão cívica; na Idade Média, tomava as praças e ruas durante os mistérios
religiosos e os ciclos festivos. Hoje, ao se colocar nos espaços abertos, ele pode
recuperar esse papel de catalisador do debate público. No encontro entre
artistas e público na cidade, seus problemas aparecem, como o transporte
precário, a insegurança, a invisibilidade das populações marginalizadas, a
especulação imobiliária e o abandono das praças públicas, mesmo que não estejam
em cena.
Cabe mencionar que o teatro de rua é uma arte marginal, no melhor sentido da palavra, pois desafia a lógica mercantil ao oferecer acesso livre e transformar o transeunte em espectador, ao mesmo tempo em que ressignifica o espaço urbano como lugar de fruição estética e partilha simbólica. Ele descentraliza a arte não apenas geograficamente, mas também socialmente. Permite o acesso a quem não tem o hábito (ou o privilégio) de frequentar as salas fechadas.
O Imaginário - Edmar Leite, Flávia Diniz, Amanara Brandão e Chicão Santos - Foto Maycon Moura. |
Porto Velho, ao sediar
festivais como o PalhAçaí e o Amazônia Encena na Rua, reafirma sua vocação para
a arte pública e popular. Em meio ao concreto quente da cidade e o mormaço
amazônico, surgem vozes, cores, gestos que nos tocam e nos fazem lembrar que o
teatro é (e sempre foi) a arte do encontro.
Mais do que nunca, teatro de
rua e cidade estão umbilicalmente ligados. A praça é palco, a rua é cenário, o
público é cúmplice. E essa relação não é apenas estética, mas ética. Ao nos
reunirmos no espaço aberto para rir, chorar, pensar e resistir juntos, criamos
a possibilidade de uma cidade mais humana, mais sensível, mais consciente.
Vamos pra rua!
[1] Professor da Universidade Federal de
Rondônia; mestre e doutor em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade
Estadual Paulista (Unesp); ator, diretor e dramaturgo; articulador e um dos
fundadores da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
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