Apresentação/Explicação
O objetivo é, aos poucos, disponibilizar alguns documentos utilizados em minha pesquisa de doutoramento que está em andamento no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), acerca do teatro praticado na cidade de Porto Velho entre 1978 a 2018.
A conversa a seguir foi realizada por mim, Adailtom Alves Teixeira, no dia 30 de abril de 2022 no espaço Tapiri, após a apresentação do espetáculo Meu amigo inglês, de autoria e direção de Mário Zumba. A entrevista, a transcrição e a transcriação (texto aqui publicado)¹ foram realizadas também por mim. O diálogo ocorreu em torno de um prêmio de dramaturgia ganho por Zumba em 1987, o primeiro prêmio dessa modalidade no estado de Rondônia.
Entrevista Mário Zumba
O prêmio
Mário Zumba em cena de Meu amigo inglês Foto Eliane Viana |
Era o 15º Concurso
Nacional de Dramaturgia, promovido pelo Ministério da Cultura. Era o Prêmio
Pedro Veiga. Fui o primeiro dramaturgo a ganhar esse prêmio por Rondônia. O
texto era um infantil, Cuidado com o
tamanduá bandeira. E esse mesmo texto foi premiado depois no concurso Casa
de las Americas, de Cuba. Lembra daquele acidente que houve em Goiânia, com o
césio-137? O tema da peça era justamente o tamanduá bandeira construindo uma
usina atômica sobre um formigueiro. Então casou tudo, entendeu?
Eu era militar, da
Aeronáutica. Quando eu ganhei o prêmio em Cuba fiquei temeroso, sem saber o que
fazer. Mas as Forças Armadas receberam isso com muito orgulho. Então foi legal!
Eles não perceberam que o texto era altamente subversivo pra época. Hoje eu sou
da reserva, mas sempre levei a vida militar e o teatro junto. E continuo
escrevendo.
A
vinda pra Rondônia
Eu vim pra Rondônia
porque era militar. Aí cheguei aqui, conversando com um amigo, ele me levou pro
Sesc e eu entrei no grupo de teatro de lá e fiquei. O teatro chama a gente.
Aonde você estiver, ele te chama!
Eu já fazia teatro. Eu
tinha começado, fazia teatro amador, muito novinho... aí depois que eu recebi o
prêmio, eu disse: “não, agora eu tenho que ir pro Rio de Janeiro”. Aí fui pro
Rio pra me profissionalizar.
Eu cheguei aqui em
Rondônia em 1985 e fiquei até 1992. E segui a carreira até hoje. Aí ganhei
outros prêmios. Um prêmio da prefeitura do Rio, quando eu estava lá, com outro
texto. E assim fui... continuei atuando, escrevendo e dirigindo. Eu faço tudo.
No Meu amigo inglês eu faço as três
coisas, escrevi, dirigi e atuei. Mas essa peça está em cartaz em Belém desde
2017. Lá em Belém eu não dirijo, quem faz a direção é o Marton Maués, o diretor
dos Palhaços Trovadores e eu faço com a Romana Melo. Ela é da Rede de Palhaças
do Norte, é uma ativista da palhaçaria feminina na Amazônia e ela está fazendo
doutorado na Bahia, na UFBA [Universidade Federal da Bahia].
O
encontro com os artistas/amigos de Porto Velho
Muito legal, juntar todo
mundo de novo. A Ângela Cavalcante, o Bado... o Binho já veio aqui mais cedo,
Júlio Yriarte, Eri Oliveira, Suely... todo mundo aí. Foi um encontro de peso.
Muito bom! Eu adorei isso!
Teatro e Forças Armadas
Mário Zumba - imagem retirada de sua rede social Facebook Foto de Sandro Barbosa |
Eu nunca tive problemas,
cara, nunca tive problemas. As coisas foram fáceis pra mim. Quando eu estava
fazendo teatro no Rio, em um curso, na Casa de Artes de Jacarepaguá, nós
montamos um espetáculo que era O mendigo
ou o cachorro morto de Bertolt Brecht. Dentro da Universidade da Força
Aérea, onde eu trabalhava, tinha um projeto chamado “Quarta Cultural” e a gente
apresentava qualquer coisa nas quartas depois do almoço. Sempre tinha uma
apresentação, convidados... E um coronel falou: “Você não tem nada?” Eu disse:
“eu tenho uma peça do Bertolt Brecht.” “Pois então traga”, ele falou. “Trago?”
“Traga. É muita gente?” “Não. É só eu e um outro ator”. Eu fazia o rei. Nós
levamos pra dentro do quartel O mendigo
ou o cachorro morto e as pessoas aplaudiram de pé. Foi espetacular!
Quebramos várias
barreiras. As pessoas estavam sedentas disso. Havia também uma vontade de
desmistificar aquilo que se pensava. Porque já era abertura... já estava no
processo de abertura. Então havia essa boa vontade, entendeu? Eu nunca tive
problemas, graças a Deus!
A
história local
Eu estava falando com o
Júlio Yriarte, a gente fazia e a gente não sabia a importância do que estávamos
fazendo. Então, a gente não documentava nada, ia só fazendo, fazendo... mas nos
anos 1980 foi uma efervescência. Eu cheguei em 1985.
Era uma força, porque a
gente vinha de uma repressão muito forte, quando chegou ali no início dos anos
1980 abriu, a gente “eu tô livre! Eu quero é fazer!” Queria falar pro mundo...
Foi uma época boa! Muita produção. Bem legal!
O público também estava ávido
disso, entendeu? O público também pensava como a gente, mas o que ele via antes
não satisfazia, não ia ao encontro. Então a gente foi ao encontro dessa
ansiedade, entendeu? Botar um militante político de esquerda no palco... A
gente fazia isso. Tinha uma personagem que era um militante de esquerda, ele
querendo conscientizar a favela... então a história era mais ou menos por aí,
ia ao encontro do que as pessoas estavam querendo. Havia uma ânsia por mudança.
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Notas
1. Essa distinção, sobretudo entre trascrição e transcriação, faz parte da metodologia da história oral utilizada pelo pesquisador, que se vale de um conjunto de procedimentos, que se inicia na própria elaboração do projeto de pesquisa. De forma simples, podemos definir transcriação como a passagem do oral para o escrito, isto é, transcrever tudo que foi falado, tanto do entrevistador como do entrevistado; já transcriar é aproximar-se do literário, posto ser uma prática utilizada primeiro na tradução de poemas, em especial por Haroldo de Campos, assim, transcriar é deixar o texto corrido, como um texto literário, é um outro texto, sem deixar de ser o mesmo, por isso desaparecem as perguntas, ficando apenas os tópicos da conversa, bem como as repetições tão característico da oralidade, assim, a palavra fica integralmente com o entrevistado.
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