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quinta-feira, 12 de maio de 2022

Mário Zumba - primeiro dramaturgo de Rondônia a ganhar um prêmio nacional no estado

 Apresentação/Explicação

O objetivo é, aos poucos, disponibilizar alguns documentos utilizados em minha pesquisa de doutoramento que está em andamento no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), acerca do teatro praticado na cidade de Porto Velho entre 1978 a 2018. 

A conversa a seguir foi realizada por mim, Adailtom Alves Teixeira, no dia 30 de abril de 2022 no espaço Tapiri, após a apresentação do espetáculo Meu amigo inglês, de autoria e direção de Mário Zumba. A entrevista, a transcrição e a transcriação (texto aqui publicado)¹ foram realizadas também por mim. O diálogo ocorreu em torno de um prêmio de dramaturgia ganho por Zumba em 1987, o primeiro prêmio dessa modalidade no estado de Rondônia.

                                                  Entrevista Mário Zumba

O prêmio

Mário Zumba em cena de Meu amigo inglês
Foto Eliane Viana

Era o 15º Concurso Nacional de Dramaturgia, promovido pelo Ministério da Cultura. Era o Prêmio Pedro Veiga. Fui o primeiro dramaturgo a ganhar esse prêmio por Rondônia. O texto era um infantil, Cuidado com o tamanduá bandeira. E esse mesmo texto foi premiado depois no concurso Casa de las Americas, de Cuba. Lembra daquele acidente que houve em Goiânia, com o césio-137? O tema da peça era justamente o tamanduá bandeira construindo uma usina atômica sobre um formigueiro. Então casou tudo, entendeu?

Eu era militar, da Aeronáutica. Quando eu ganhei o prêmio em Cuba fiquei temeroso, sem saber o que fazer. Mas as Forças Armadas receberam isso com muito orgulho. Então foi legal! Eles não perceberam que o texto era altamente subversivo pra época. Hoje eu sou da reserva, mas sempre levei a vida militar e o teatro junto. E continuo escrevendo.

A vinda pra Rondônia

Eu vim pra Rondônia porque era militar. Aí cheguei aqui, conversando com um amigo, ele me levou pro Sesc e eu entrei no grupo de teatro de lá e fiquei. O teatro chama a gente. Aonde você estiver, ele te chama!

Eu já fazia teatro. Eu tinha começado, fazia teatro amador, muito novinho... aí depois que eu recebi o prêmio, eu disse: “não, agora eu tenho que ir pro Rio de Janeiro”. Aí fui pro Rio pra me profissionalizar.

Eu cheguei aqui em Rondônia em 1985 e fiquei até 1992. E segui a carreira até hoje. Aí ganhei outros prêmios. Um prêmio da prefeitura do Rio, quando eu estava lá, com outro texto. E assim fui... continuei atuando, escrevendo e dirigindo. Eu faço tudo. No Meu amigo inglês eu faço as três coisas, escrevi, dirigi e atuei. Mas essa peça está em cartaz em Belém desde 2017. Lá em Belém eu não dirijo, quem faz a direção é o Marton Maués, o diretor dos Palhaços Trovadores e eu faço com a Romana Melo. Ela é da Rede de Palhaças do Norte, é uma ativista da palhaçaria feminina na Amazônia e ela está fazendo doutorado na Bahia, na UFBA [Universidade Federal da Bahia].

O encontro com os artistas/amigos de Porto Velho

Muito legal, juntar todo mundo de novo. A Ângela Cavalcante, o Bado... o Binho já veio aqui mais cedo, Júlio Yriarte, Eri Oliveira, Suely... todo mundo aí. Foi um encontro de peso. Muito bom! Eu adorei isso!

Teatro e Forças Armadas

Mário Zumba - imagem retirada de sua rede social Facebook
Foto de Sandro Barbosa

Eu nunca tive problemas, cara, nunca tive problemas. As coisas foram fáceis pra mim. Quando eu estava fazendo teatro no Rio, em um curso, na Casa de Artes de Jacarepaguá, nós montamos um espetáculo que era O mendigo ou o cachorro morto de Bertolt Brecht. Dentro da Universidade da Força Aérea, onde eu trabalhava, tinha um projeto chamado “Quarta Cultural” e a gente apresentava qualquer coisa nas quartas depois do almoço. Sempre tinha uma apresentação, convidados... E um coronel falou: “Você não tem nada?” Eu disse: “eu tenho uma peça do Bertolt Brecht.” “Pois então traga”, ele falou. “Trago?” “Traga. É muita gente?” “Não. É só eu e um outro ator”. Eu fazia o rei. Nós levamos pra dentro do quartel O mendigo ou o cachorro morto e as pessoas aplaudiram de pé. Foi espetacular!

Quebramos várias barreiras. As pessoas estavam sedentas disso. Havia também uma vontade de desmistificar aquilo que se pensava. Porque já era abertura... já estava no processo de abertura. Então havia essa boa vontade, entendeu? Eu nunca tive problemas, graças a Deus!

A história local

Eu estava falando com o Júlio Yriarte, a gente fazia e a gente não sabia a importância do que estávamos fazendo. Então, a gente não documentava nada, ia só fazendo, fazendo... mas nos anos 1980 foi uma efervescência. Eu cheguei em 1985.

Era uma força, porque a gente vinha de uma repressão muito forte, quando chegou ali no início dos anos 1980 abriu, a gente “eu tô livre! Eu quero é fazer!” Queria falar pro mundo... Foi uma época boa! Muita produção. Bem legal!

O público também estava ávido disso, entendeu? O público também pensava como a gente, mas o que ele via antes não satisfazia, não ia ao encontro. Então a gente foi ao encontro dessa ansiedade, entendeu? Botar um militante político de esquerda no palco... A gente fazia isso. Tinha uma personagem que era um militante de esquerda, ele querendo conscientizar a favela... então a história era mais ou menos por aí, ia ao encontro do que as pessoas estavam querendo. Havia uma ânsia por mudança.

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Notas

1. Essa distinção, sobretudo entre trascrição e transcriação, faz parte da metodologia da história oral utilizada pelo pesquisador, que se vale de um conjunto de procedimentos, que se inicia na própria elaboração do projeto de pesquisa. De forma simples, podemos definir transcriação como a passagem do oral para o escrito, isto é, transcrever tudo que foi falado, tanto do entrevistador como do entrevistado; já transcriar é aproximar-se do literário, posto ser uma prática utilizada primeiro na tradução de poemas, em especial por Haroldo de Campos, assim, transcriar é deixar o texto corrido, como um texto literário, é um outro texto, sem deixar de ser o mesmo, por isso desaparecem as perguntas, ficando apenas os tópicos da conversa, bem como as repetições tão característico da oralidade, assim, a palavra fica integralmente com o entrevistado. 

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