Adailtom Alves Teixeira[1]
O teatro é arte da presença, em que
público e artistas se encontram mediados por um objeto estético, o espetáculo.
Mas como fazer teatro no tempo que estamos a viver? Não faz. Os artistas teatrais
(mas não só) foram os primeiros a pararem e serão os últimos a retornarem.
Então não faz? Faz sim. São muitas as experimentações, as tentativas de relação
mediados pela tecnologia. São muitas as invenções e reinvenções. A arte e os
artistas resistem.
Mas, e como fica a relação
presencial? Talvez, de agora em diante, passemos a entender teatro como uma
arte que se dá no tempo presente, mas do que na presença. No entanto, mais
importante do que conceituar, relatar as experiências, estas são mais
significativas e nos ensinam muito mais. Conceitos, definições virão a
posteriori.
Print de tela do celular em Chácomigo. Zahara (Júnior Lopes), Thaís e Adailtom. |
Júnior Lopes, ator, professor,
pesquisador teatral, desloca a personagem Zahara do espetáculo Tabule e a coloca em uma nova relação,
uma nova história, mediada pela tecnologia. Trata-se de Chácomigo. Isso explica a brincadeira do título desse texto. A
expressão pra lá de Bagdá, no popular, significa tanto algo muito distante,
como ultrapassar certos limites dos sentidos, por exemplo quando se bebe muito.
A personagem Zahara, que veio do Líbano, nos coloca pra lá de Bagdá no chá que
tomamos com ela à distância; limites são rompidos nesse encontro. Ela, Zahara, uma
sobrevivente de duas guerras, vem (ou vai) trocar com três espectadores em uma
chamada de WhatsApp, suas histórias e vivências, para que possamos sobreviver
ao momento atual.
Em tempos pandêmicos trocar
histórias, contar e ouvir, é fundamental na (re)construção dos afetos. Pelo
menos é o que nos ensina Giovanni Boccaccio com seu Decamerão, que reúne no campo sete moças e três rapazes, que fogem
da peste que ocorreu no reino de Floresça em 1348. As histórias fazem o tempo
passar, carregam significados, ensinam, permite a troca de experiência. É o que
sentimos em Chácomigo. Nos
transportamos a outro lugar, ainda que cada um esteja em sua casa em frente a pequena
tela do celular, o tempo vai e não vemos passar, aprendemos com a cultura
libanesa, personagem e público dialogam bastante (algo difícil nos dias de
hoje) e saímos tocados e transformados dessa relação tecno-presencial.
O teatro aconteceu! Apenas para três
espectadores – no dia que participei, dia 18 de julho de 2020, na verdade foram
apenas dois, pois a terceira pessoa teve problemas pessoais e não conseguiu
estar presente. Uma troca potente, de fortalecimento de nossa humanidade, sobretudo
porque estamos todos vivendo em meio ao caos.
Maiores informações sobre o projeto e
de como participar acessem https://www.youtube.com/watch?v=OrQ2ktkz8iE&feature=youtu.be
[1]
Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia;
doutorando em Artes pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); mestre em
Artes pela mesma instituição; ator, diretor teatral e integrante do Teatro
Ruante.
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