Adailtom Alves Teixeira[1]
Fabiano Barros, dramaturgo,
diretor e gestor cultural com passagem pelo SESC e SEJUCEL, tem dado sua contribuição para a cena portovelhense
desde que chegou de Pernambuco, ainda bem jovem. Criou em 2001 a Cia de Artes
Fiasco e com ela vem pesquisando o que chama de “humanização dos mitos e lendas
amazônicos”.
No último sábado, dia 16 de
novembro de 2019, assisti seu último trabalho (autoria e direção), Onde morrem os pássaros?, interpretado
por Artur Neto e Laura Martins. A trilha sonora foi composta e é executado ao
vivo por Rinaldo Santos. Antes do espetáculo o público pode contemplar ainda
uma exposição do artista Flávio Dutka.
A obra Onde morrem os pássaros? parece ser uma mudança na pesquisa que o
autor vinha realizando, do ponto de vista temático e formal - ainda que continue com a ausência de palavra -, já que flerta com
a estética surrealista, que tem como características a reação ao racional,
forte influência da psicanálise, criação de uma realidade paralela e
valorização do inconsciente.
O mundo surreal e inconsciente
criado por Fabiano Barros parece apontar pra uma discussão do que pode vir a
ser o mal
do século, a depressão e outras doenças psíquicas. Como afirma o filósofo
Byng-Chul Han em seu livro Sociedade do
cansaço (2017), “Cada época possui suas enfermidades fundamentais” e o século XXI será o século
das doenças neuronais: depressão, Síndrome de Burnout, transtornos de
personalidades, entre outras. O espetáculo em tela dialoga com esse universo.
Em relação as questões do universo
psíquico, creio que as duas críticas escritas até agora sobre o trabalho dão
conta e há certo acordo, por isso remeto o leitor às mesmas. Estou me referindo
ao que escreveu Luciano Oliveira (aqui)
e Édier William (aqui). No que tange à montagem, sim também há certo acordo: é bem cuidada e limpa; partituras corporais claras e repetitivas, para tornarem explícito a monotonia das personagens - logo, os atores estão bem em suas execuções; boa trilha sonora; luz muito simples, porém funcional. No entanto, parece-me, que um aspecto importante ficou de fora das apreensões
críticas e é sobre isso que gostaria de dialogar.
Se o espetáculo no geral
aponta para o surreal, sobretudo a personagem que está presa por uma repetição
cotidiana de gestos e ações, levando-o a uma condição depressiva e/ou
melancólica nessa gaiola-mundo de seu interior, a personagem feminina, a
mulher, nos parece, que pode ser olhada por um viés realista e, por isso mesmo,
muito mais cruel. É preciso lembrar que ela é colocada posteriormente em um
mundo já dado, o mundo do depressivo, portanto, ela tem consciência daquela
realidade. No entanto, sua condição é de total subalternidade ao sujeito-homem:
é posta para servir. Desse ponto de vista nos parece equivocado, já que não se
trata de uma relação construída anteriormente entre eles, mas de algo dado. Assim, a
mulher fica inferiorizada em relação ao homem, não só por ter que realizar
todas as tarefas domésticas, sem jamais questionar, mas por ser levada a esse
mundo sem sabermos se é por querer, se é uma profissional, parente etc. Nada é
explicado, assim o que salta aos olhos é apenas a subserviência da figura
feminina. Nos parece que esse é o ponto crítico da obra.
Caberia perguntar: se fosse a
mulher a depressiva e o homem viesse para lhe auxiliar daria a mesma leitura? Talvez não. E se fosse duas pessoas
do mesmo gênero? É provável que também não. Se estamos tratando de questões importantes do
século XXI, como as doenças psíquicas, talvez outras questões prementes de
nosso tempo, como a de gênero, não devam ser ignoradas. Afinal, como afirma
Ângela Davis em Mulheres, cultura e
política (2017) (em um texto que está abordando justamente a questão de
saúde), “A política não se situa no polo oposto ao de nossa vida. Desejemos ou
não, ela permeia nossa existência, insinuando-se nos espaços mais íntimos”.
A afirmação da autora
estadunidense nos leva a refletir sobre outro ponto: até aqui o debate público tem
sido feito apenas por homens, o autor, por meio de sua obra, e os três críticos
e suas apreensões. Talvez novas contradições apareçam ou pontos de vistas sejam
referendados à medida que tivermos as mulheres também debatendo.
[1] Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de
Rondônia; Mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista; integrante do
Teatro Ruante; coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Crítica Teatral;
e articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
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