Adailtom
Alves Teixeira[1]
A arte não é uma
categoria administrativa, mas é, ou deveria ser, a moldura da vida.
George Pompidou
No Brasil há um ditado em relação a certa
legislação que afirma o seguinte: essa lei não pegou. Ou seja, apesar de
existir e, portanto, ser respeitada, o que ocorre é um descaso por parte das autoridades. Em Rondônia é
possível destacar duas leis no âmbito da cultura que não "pegaram": uma municipal
e outra estadual. A primeira é a Lei 1820 de 2009 que institui o Programa
Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de Porto Velho, que, em breve fará
dez anos, mas não saiu do papel. A segunda, é a própria Constituição do Estado
que vem sendo desrespeitada em seu Artigo 208, que criou o Fundo Estadual de
Desenvolvimento da Cultura (FEDEC), para o qual deveria ser destinado 0,5% do orçamento à
cultura. A mudança ocorreu em 2015 por meio de Emenda Constitucional (EM) de nº
103, aprovada no dia 07 de outubro daquele ano. A EM 103 prevê ainda a “ampliação
progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura”,
recursos que seriam destinados a um fundo, o FEDEC, mas desde a criação nada foi depositado.
Imagem da divulgação da Audiência Pública. |
Como é regra, a Constituição do
Estado segue a Constituição Federal (CF) de 1988 que, em seu Artigo 215, assegura
que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional”. Além da CF, há um Plano Nacional de Cultura, do qual Rondônia e Porto Velho são signatários, daí a necessidade de instituições públicas de
cultura, conselhos, e políticas institucionalizadas como os fundos e outras
leis. O que explica a mudança na legislação, mas não o descumprimento.
A política pública de cultura no
Ocidente é bastante antiga. Bauman (2013), tomando a França como referência,
afirma que o “patrocínio da arte pelo Estado” ocorre, pelo menos, desde o
século XVI; até mesmo o que se convencionou por chamar de “política cultural”,
apareceu uns duzentos anos antes mesmo do termo cultura. Mas o que denominamos
por política pública de cultura, ainda segundo Bauman, teria ocorrido em 1959,
sob presidência de Charles de Gaulle e o Ministério da Cultura a cabo de André
Malraux:
Agora se entendia
‘cultura’ principalmente como arte e criação artística, e a multiplicação
daquela e a intensificação desta tornaram-se foco das atividades do Ministério
então recém-estabelecido. A democracia política seria completada pela
democratização da arte (BAUMAN, 2013, p. 93).
Desde então, pelo menos na França,
seja a direita ou a esquerda que esteja governando, apoiam a pluralidade das
artes, fomentam a criação e possibilitam que a arte chegue até o público,
afinal, esse é o papel principal do Estado, na medida em que não produz, deve
fomentar as artes e a cultura. Por aqui, no Brasil, há exemplos de políticas
públicas de cultura bem sucedidas, como algumas leis praticadas na cidade de
São Paulo, como o Programa de Fomento ao Teatro – aliás, diga-se de passagem, a
Lei de Fomento de Porto Velho, mas que inspirada é uma cópia dessa, com o único
defeito de não ter colocado dotação orçamentária própria; outras cidades como Londrina,
Porto Alegre, também tem programas públicos na área da cultura. Políticas de Estado.
Programas e leis asseguram a
continuidade das ações, isso também define e diferencia uma política de
governo, da política de Estado. A política de governo, por mais ampla que seja,
está sujeita aos humores dos governantes de plantão, isto é, aquilo que é
praticado por uma gestão não está assegurada na próxima, pois não se trata
de lei, mas sim programa de governo. Só a lei garante que o gestor continue as ações determinadas pela
legislação, pois seu descumprimento acarreta (ou deveria) punições. Muito
embora, no caso rondoniano, mesmo tendo política de Estado, isto é, leis, não faz muita diferença, pois vem sendo
sistematicamente descumpridas. Cabe a pergunta: o que faz com que uma lei pegue?
Ou em outros termos: como fazer para que o Poder Público cumpra o que
determina a lei?
No próximo dia 14 de junho às 15h
haverá audiência pública na Assembleia Legislativa para se discutir o porquê de
não estarem sendo feito os repasses anuais de 0,5% do orçamento do Estado para
o FEDEC. A participação de artistas, produtores e outros interessados, é
fundamental, afinal, assim como a maior parte da população de Rondônia, anseiam
por uma cidadania cultural. Desejamos que daí venha respostas e atitudes e que o mesmo se repita no município de Porto Velho, para que
a cultura possa ganhar novo alento e impulso em seu desenvolvimento, pois como
afirma Bauman, “Como tantas outras funções do Estado contemporâneo, o
patrocínio da criatividade cultural espera urgentemente o ‘subsídio’” (2013, p.
108).
Bibliografia
BAUMAN, Zygmunt. A cultura no mundo líquido moderno.Rio
de Janeiro: Zahar, 2013.
BRASIL. Ministério da
Cultura. As metas do Plano Nacional de
Cultura. São Paulo: Instituto Via Pública, 2012.
CHAUÍ, Marilena. Cidadania cultural. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2006.
LINKS
Abaixo assinado:
encurtador.com.br/hlprA
Lei de Fomento:
encurtador.com.br/rxOZ3
Constituição do Estado:
encurtador.com.br/ehmzJ
Constituição Federal:
encurtador.com.br/ailZ0
[1]
Professor da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em Artes pela UNESP;
Articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
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