De
como o Líbano me atravessa: Fecha a porta porque roupa suja se lava em casa!
Por
Júnior Lopes[1]
Foto
de divulgação: http://www.howitakemycoffee.com/ghada-el-eid-by-lucien-bourjeily-is-simply-a-great-lebanese-movie/
Sinopse: Josephine,
the matriarch of a sprawling family, is delighted to gather everyone for Easter
lunch for the first time in two years. While they all share a joyful meal, an
incident ignites underlying tensions between the family members and leads them
gradually into chaos.
Director: Lucien Bourjeily Writer: Lucien Bourjeily
Stars: Samira Sarkis, Nadim Abou Samra,
Jenny Gebara, Laeticia Semaan, Farah Shaer, Jean-Paul Hage, Hussein Hijazi,
Ghassan Chemali, Wissam Boutros, Nancy Karam, Etafer Aweke, Toni Habib,
Mohammad Abbas
Language: Arabic
Português:
Josephine, a matriarca de uma família numerosa, pela primeira vez em dois anos,
tem o prazer de reunir todos para um almoço de pascoa. No meio do almoço, um
incidente inesperado provoca uma grande tensão entre os membros da família que
pouco a pouco vai se instaurando um grande caos entre eles.
Filme:
Ghada’a El Eid (2017/2018) Direção e
roteiro: Lucien Bourjeily Produção:
Farah Shaer Duração: 91 min
Exibições:
7
de dezembro de 2017 em Dubai Internacional Film Festival
4
de fevereiro de 2018 em European Film Festival
1
de março estreia no Líbano
3
de março de 2018 Cinequert International Film Festival
13
de março de 2018 em Miami Internacional Film Festival
Beirute,
Líbano
21de
março de 2018
(…)Lucien
Bourjely's film answers all the questions that bothered me after these
meetings-exchanges in Lebanon and goes beyond: it throws me new questions,
other reflections, new raptures. Most of the conflict situations I encountered
in Lebanon are on the cinema screen:
Doors open. Noise. Family meeting. Lunch. A lot of
food. Beverage. Friendship. Missing. Reports. Party. Lack of energy. Generator.
Policy. Discussion. Optimism. Pessimism. Conflicts. Elections. Policy.
Manipulation. Wars. Catholics. Orthodox. Maronitas. Shiites. Sunni. Druses.
Pumps. Constitution of 1943. Ministers. Policy. Religion. Names. Last name.
Neighborhood. Poetry. Gibran Khalil Gibran. Nation. Freedom. Extremism. Power.
Money. Policy. Passport. Diaspora.
Sectarianism. Disbelief. Prejudices. Ethiopia. Sri Lanka. Utopia. U.S. Canada. Dubai. Russia.
Reality. Brazil. Memory. Forgetfulness. Shot. Conformism. Doors Closed.
Silence.
So,
with a precise script and excellent direction of actors and scenes, the
director and screenwriter of El Ghada'a El Eid opens the door and opens
Lebanese conflicts from a family lunch.(…) Júnior Lopes
Portas se abrem: No dia 12 de março após ver
uma publicação do diretor Libanês Lucien Bourjeily de que seu filme Ghada’a El Eid estava em cartaz no
Beirut Souks, e que por se tratar de ser um filme não comercial, o cinema
provavelmente iria tira-lo de cartaz naquela semana, sai correndo para assistir
ao filme. Já conhecia o currículo do diretor Lucien Bourjeily pois ele já havia
estado no Brasil com o espetáculo teatral 66
minutos em Damasco e pelos temas de seus trabalhos. Mas, foi no Líbano que
tive a oportunidade de conhece-lo pessoalmente em uma oficina de improvisação
teatral ministrada por ele.
Já é a minha terceira vez em Beirute. A
primeira por 15 dias em dezembro de 2016. Depois mais 15 dias em outubro de
2017 e agora por três meses, de fevereiro a abril de 2018. Pois bem, o leitor
deve estar se perguntando porque eu estou aqui pela terceira vez e qual é o
motivo de estar em Terras Libanesas?
Sempre fui motivado a conhecer o Líbano pois
o meu avô era libanês. A questão da descendência foi o pontapé inicial para
fazer as malas e embarcar neste novo contexto. Meu avô nunca voltou ao Líbano
desde que saiu daqui. Ou seja, foi jovem para o Brasil, solteiro, construiu
família, casa, trabalho e lá no Brasil morreu aos 99 anos. Mas, ele deixou para
mim a herança libanesa que me orgulho. Assim, de 2016 para cá, Beirute é o “meu
caminho da roça”. Sou professor de
teatro e letras na Universidade Federal de Rondônia e no início de 2017 no
grupo de Pesquisa Paky’op – Laboratório
de Teatro e Transculturalidade, abrimos uma linha de pesquisa com o tema: Teatro e Política no Oriente Médio:
paralelos com a América Latina. E essa linha de pesquisa é um dos motivos
que me laçam aqui agora.
Hoje completo 45 dias aqui em Beirute. Estou
exatamente na metade do período que ficarei aqui. Nos 45 dias do primeiro
tempo. Ainda faltam mais 45 dias. Ou seja, o tempo de uma partida de futebol.
Muita coisa pode acontecer.
Novamente o leitor deve estar se
perguntando... Mas, qual a relação desse relato pessoal com o filme Ghada’a El Eid de Lucien Bourjely?
Bem, aqui em Beirute, além de ter o objetivo
de estudar língua árabe, eu trouxe uma pergunta para ser respondida: Qual a
relação entre teatro/artes e política no oriente médio, mais especificamente, no
Líbano? Meu objetivo, após me aproximar das possíveis respostas, é traçar os
paralelos com a América Latina, mais especificamente, com o Brasil.
O filme de Lucien Bourjely me responde todas
as perguntas que me incomodavam após esses encontros-trocas no Líbano e ainda vai
além: ele me lança novas perguntas, outras reflexões, novos arrebatamentos. Grande
parte das situações conflito que me deparei no Líbano estão ali na grande tela:
Portas se abrem. Barulho. Reunião familiar. Almoço. Muita
comida. Bebida. Amizade. Saudade. Relatos. Festa. Falta de energia. Gerador. Política.
Discussão. Otimismo. Pessimismo. Conflitos. Eleições. Política. Manipulação. Guerras.
Católicos. Ortodoxos. Maronitas. Xiitas. Sunitas. Drusos. Bombas. Constituição
de 1943. Ministros. Política. Religião. Nomes. Sobrenome. Bairro. Poesia. Gibran Khalil Gibran. Nação. Liberdade.
Extremismo. Poder. Dinheiro. Política. Passaporte. Diáspora. Sectarismo.
Descrença. Preconceitos. Etiópia. Sri Lanka. Utopia. Estados Unidos. Canadá.
Dubai. Rússia. Realidade. Brasil. Memória. Esquecimento. Tiro. Conformismo.
Fecham se as portas. Silêncio. (Descrição minha sobre o filme)
De uma maneira artística, com um roteiro preciso e
excelente direção de atores e cenas, o diretor e roteirista de El Ghada’a El Eid abre as portas e
escancara conflitos libaneses a partir de um almoço em família.
“ I only wish
more Lebanese movies like Ghada El Eid would be released, something to
educate or question our society’s values” I’ve watched it, the subject is very interesting & concerns or may
happen among all Lebanese families. (…)
“(...) Lucien did a great job, we should encourage those kinds of Lebanese movies” (http://www.howitakemycoffee.com/ghada-el-eid-by-lucien-bourjeily-is-simply-a-great-lebanese-movie/)
“(...) Lucien did a great job, we should encourage those kinds of Lebanese movies” (http://www.howitakemycoffee.com/ghada-el-eid-by-lucien-bourjeily-is-simply-a-great-lebanese-movie/)
O diretor literalmente expõe o interior das
personagens. Ele não empurra a sujeira para debaixo do tapete. O filme inicia
com as portas fechadas que logo se abrem com a chegada dos convidados. A ação
acontece exclusivamente dentro da casa na mesa do almoço. Fatos surpreendentes
vão arrebatando o espectador e grandes tensões são criadas. Não se trata de um
filme didático explicativo para tratar de temas que atravessam a sociedade
libanesa. O trabalho é completamente artístico e em um único ambiente e em uma
hora e meia de filme o diretor consegue virar a mesa e expor todos os
personagens com os seus conflitos mais íntimos e suas relações com a sociedade
libanesa. O fio condutor não é
interrompido e uma ação desencadeia a outra.
Impressionante como que um almoço familiar em
um filme libanês me fez relembrar questões muito pontuais que aconteceram comigo
desde a primeira vez no Líbano. Imagino como deve ter sido a recepção para os
libaneses.
Por exemplo, o meu vôo do Brasil para cá
sempre foi passando pela Etiópia. E nessa conexão tive o meu primeiro conflito.
O avião quando chega em Ades Abeba (capital da Etiópia) fica lotado de meninas etíopes
que vêm para o Líbano trabalhar como empregada doméstica. A maneira como elas
são tratadas no avião (não pelas comissárias, mas sim por outros passageiros),
no embarque, no desembarque e no momento de ser “entregue” a família que irá contrata-a
(abriga-la) me chamou muita atenção. Me deu um “sentimento” escravidão.
Uma das cenas mais fortes e violentas do
filme, na minha opinião, é protagonizado por uma empregada doméstica etíope e
um libanês: O ódio e o preconceito escancarado deste libanês contra ela e
qualquer outro imigrante de países subalternos.
Outro conflito que passei tem relação com
minha descendência. Meu avô veio de família drusa aqui no Líbano e a primeira
vez que estive aqui as pessoas perguntavam o nome do meu avô e o sobrenome e,
consequentemente, já sabiam que ele era druso. Ou me perguntavam a região que
morava e também já era possível constatar a sua religião. Fui descobrindo isso
aos poucos. E essa informação as vezes pode ser um divisor de águas. Algumas
pessoas eram indiferentes com essa informação. Outras se aproximavam e outras
simplesmente se afastavam.
O
filme me fez refletir sobre a questão da liberdade e predestinação quando uma
das personagens questiona o fato de que no Líbano a criança já nasce e na sua
identidade já aparece a sua religião impressa. Ou seja, ela está predestinada a
essa religião. Tal fato implicará outras questões na vida futura. Na política
libanesa, por exemplo, presidentes e ministros ocupam partidos a partir da legenda
de sua religião. O presidente obrigatoriamente deve ser um maronita. O primeiro
ministro um sunita. E por aí vai. Política e religião andam lado a lado.
Portanto, El
Ghada’a El Eid me atravessa, me arrebata e me faz lembrar uma expressão em
português: Roupa suja se lava em casa.
Em El
Ghada’a El Eid a cena começa com as portas se abrindo e a partir daí se
joga no ventilador todos os conflitos que estão sufocados, neste caso,
representado por uma família. No final, após um desfecho surpreendente, as
portas se fecham. Ou seja, ficará entre quatro paredes. A roupa suja se lavará
em casa? Será? Portas se fecham.
[1] Júnior
Lopes, nome artístico de José Maria Lopes Júnior. Brasileiro em intercambio no
Líbano. Professor de Teatro do Departamento de Artes da Universidade Federal de
Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa Paky’op – Laboratório de Teatro e
Transculturalidade. Professor, ator e diretor de Teatro.
(lopez_junior@yahoo.com.br)
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