Adailtom Alves Teixeira
A arte existe porque a vida não basta.
Ferreira Gullar
A cultura é um dos pilares
fundamentais para a construção da identidade de um povo, e o teatro, como uma
das expressões artísticas mais antigas da humanidade, desempenha um papel
crucial nesse processo. Porém, o modo de produção que regula nossas vidas não é
muito favorável a algumas artes, por isso mesmo é importante ressaltar que nem
tudo cabe no mercado, e o teatro, em particular, é uma linguagem que ainda
mantém forte vínculo com o artesanal, o humano e o coletivo. Desse modo,
depende essencialmente do apoio público para sua sobrevivência e
desenvolvimento. As políticas públicas voltadas para a cultura são fundamentais,
especialmente para o teatro, mas ainda padecemos de políticas estruturantes,
apesar do direito assegurado na Constituição Federal. Investir em arte e
cultura é caminhar na direção de uma sociedade mais inclusiva e reflexiva.
O teatro é uma arte milenar
que transcende o entretenimento. Ele é um espaço de diálogo, de questionamento
e de descoberta de aspectos profundos do humano. Por meio da linguagem teatral,
somos convidados a refletir sobre nossa existência, nossa história e nossa
relação com o/a outro/a e o mundo. No entanto, essa forma de arte não se
sustenta apenas pela lógica do mercado. Diferentemente de produtos culturais
massificados, o teatro não gera lucros expressivos, mas é essencial para a
formação crítica e sensível dos/as cidadãos/ãs. É aqui que as políticas
públicas se tornam indispensáveis, garantindo que essa linguagem artística
continue viva e acessível para todos/as.
Um exemplo emblemático de
política pública bem-sucedida nessa área é o Programa de Fomento ao Teatro
para a Cidade de São Paulo. Criado em 2002, esse programa foi pioneiro ao
destinar recursos especialmente para grupos teatrais, permitindo que coletivos
artísticos mantivessem suas pesquisas e produções. O programa não apenas
capilarizou o teatro pela cidade, levando espetáculos para regiões periféricas,
mas também fortaleceu a cena teatral paulistana, tornando-a uma das mais
vibrantes do país. Ao investir em grupos, o programa reconheceu a importância
do trabalho coletivo e da continuidade das pesquisas artísticas, que são
fundamentais para a evolução da linguagem teatral. No entanto, o programa vive
sob constante ataques, especialmente nos governos de direita.
A necessidade da arte é
intrínseca ao ser humano. Buscamos a beleza, a reflexão e a conexão com o/a
outro/a, e o teatro nos oferece isso de maneira única. A arte é diversão, mas
não é só isso, é também conhecimento, é um modo de vivenciarmos uma
experiência, de nos completarmos por meio do/a outro/a. a arte nos permite
explorar outras perspectivas, questionar verdades estabelecidas e nos
reconhecer na diversidade das experiências humanas. Serve para que critiquemos
o mundo existente e possamos imaginar outros mundos possíveis. Por isso, mais
uma vez, a arte não pode ser submetida exclusivamente à lógica do mercado, que
tende a priorizar o lucro em detrimento da diversidade e da qualidade de vida.
O Estado tem um papel crucial em garantir que a arte seja acessível e plural,
sem se restringir aos interesses comerciais.
Além disso, o investimento
público em cultura gera impactos positivos que vão além do campo artístico.
Quando um festival de teatro é realizado, por exemplo, os recursos circulam por
diversos setores da economia local: restaurantes, hotéis, transportes e
comércio em geral são beneficiados. Diferentemente de outras áreas, onde o
investimento público pode gerar concentração de riqueza, na cultura os recursos
são distribuídos de maneira mais democrática, promovendo o desenvolvimento
econômico e social. O investimento em cultura pode ser revertido de muitas maneiras,
afinal cidadãos/ãs cultos/as, custam menos para o Estado em outras áreas, como
a da saúde, pois se cuidam melhor, cuidam melhor da cidade e do patrimônio
público. Em geral nos mirarmos em outras sociedades, elogiando sua cultura, mas
pouco conhecemos acerca dos investimentos desses país em arte e educação.
A relação entre arte e
educação é um ponto crucial. Ambas precisam do olhar especial do Estado, pois
são fundamentais para a formação de cidadãos críticos e conscientes, por isso
mesmo estão asseguradas na Constituição Federal brasileira. Submeter a arte e a
educação à lógica do mercado é correr o risco de excluir aqueles/as que não têm
acesso a recursos financeiros, perpetuando, portanto, desigualdades. O teatro,
em particular, é uma ferramenta poderosa de educação, capaz de incluir e
empoderar indivíduos e comunidades. Logo, se o teatro não muda a realidade, pode
mudar os sujeitos e estes podem engajar-se para transformar sua cidade. Ao logo
da história o teatro sempre foi uma poderosa ferramenta pedagógica na
transformação de valores, como exemplo basta citar dois momentos históricos,
primeiro entre os gregos na antiguidade clássica, bem como na ascensão da
burguesia como classe hegemônica na modernidade.
Mais uma vez, a arte é um
elemento central na constituição da identidade local. Quando pensamos em um
lugar e sua gente, o que nos vem à mente é sua cultura: suas tradições, suas
expressões artísticas, sua maneira única de ver o mundo. O teatro, como
expressão cultural, contribui para a construção dessa identidade, refletindo as
particularidades de uma comunidade e ao mesmo tempo conectando-a ao universal.
Políticas públicas que fomentam o teatro e as demais artes estão, portanto,
investindo na preservação e na valorização da identidade cultural de um povo. O
campo das artes é a última trincheira que nos separa da barbárie, por isso
mesmo, em momentos extremos os artistas são sempre os primeiros a serem atacados.
Em um mundo cada vez mais
dominado pela lógica do mercado, é essencial defender a arte como um bem comum,
que não pode ser reduzido a uma mercadoria. Em um mundo cada vez mais dominado
pelo tecnológico, é essencial defender uma arte que promova o encontro humano. O
teatro é uma arte da presença e tem a capacidade de tocar corações e mentes, de
questionar e transformar pessoas – ao menos quem faz – mas, para tanto, precisa
do apoio do Estado para continuar existindo e cumprindo seu papel na sociedade.
Políticas públicas como o aqui citado, Programa de Fomento ao Teatro para a
Cidade de São Paulo, é um bom exemplo e deve ser conhecido, pois é um
modelo possível de política pública – aliás, a partir dele, outras linguagens artísticas
lutaram e conquistaram também seus programas de fomento, como a dança, o circo
e mesmo toda um território, como o fomento à periferia. Cabe a nós, como
sociedade, reconhecer a importância dessas iniciativas e lutar para que elas se
ampliem e se disseminem em outras cidades, garantindo que a arte continue a ser
um direito de todos e um reflexo da nossa humanidade. Porto Velho, por exemplo,
tem uma lei que foi criada tomando como modelo o Programa de Fomento ao Teatro,
ainda em 2009, trata-se da Lei 1820/09. No entanto, a lei nunca foi regulamentada,
nunca saiu do papel. No entanto, a lei nunca foi regulamentada, nunca saiu do papel.
Talvez seja um bom momento para os artistas de teatro da capital conhecerem a
lei, fazer a comparação e lutar pelos devidos ajustes e sua regulamentação, já
que estamos em início de nova gestão.
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