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quinta-feira, 2 de maio de 2024

Teatro em Porto Velho em 1917: complemento de uma pesquisa

 

Adailtom Alves Teixeira[1]

 

Pesquisar, vem do latim perquiro, que significa procurar, buscar com cuidado. Todos nós lidamos com algum tipo de pesquisa em nosso cotidiano. No entanto, a pesquisa científica significa “a investigação feita com o objetivo expresso de obter conhecimento específico e estruturado sobre um assunto preciso” (Bagno, 2002, p. 18). Nosso assunto de interesse é o teatro em Porto Velho, que toma como fonte o jornal Alto Madeira. Nesse sentido, “o jornal pode auxiliar-nos na compreensão de grupos sociais e contextos passados” (Silva, 2008, p. 27). Ainda que nenhuma fonte única dê conta da complexidade dos contextos e das relações humanas, mas apresenta pistas significativas, que precisam serem problematizadas. Porém, nosso intuito aqui é mais realizar um relato de complemento a uma pesquisa anterior.

Em 2022 organizei com Jussara Trindade Moreira um livro, publicado pela Edufro, editora da Universidade Federal de Rondônia. No livro consta um capítulo escrito por mim, fruto de uma pesquisa na qual tomei como fonte primária o jornal Alto Madeira e é intitulado “O teatro em Porto Velho em 1917: pistas e sinais a partir do jornal Alto Madeira” (o livro pode ser baixado aqui: https://edufro.unir.br/uploads/08899242/Edital%202019/PAKY%20OP.pdf).

Por que se fez necessário um complemento a aquele texto? Como poderá ser constatado com a leitura, ali informo que tive acesso apenas as edições do número 15 em diante no período tratado. Ocorre que consegui acessar mais sete edições anteriores, números 5, 7, 9, 10, 11, 12 e 13, que recua até maio daquele ano, 1917 (o jornal teve início em abril). Além disso, tive acesso a outras quatro edições do segundo semestre do período em tela: 25, 62, 63 e 64.

           

Alto Madeira, edição 11 de
17 de junho de 1917, p. 2.

No que tange ao espaço específico em que ocorreram as apresentações naquele ano de 1917, no qual é possível aludir como um início do teatro na cidade, ou pelo menos, início dos primeiros registros acerca dessa linguagem artística, o destaque continua sendo a Associação Instrutiva, Recreativa e Beneficente de Porto Velho (AIRB). Tal Associação compôs um corpo cênico com seus associados. Porém, por meio das novas edições do Alto Madeira, especialmente a de número 11 de 17 de junho, tomamos conhecimento que The Porto Velho Boys Dramatic Association, composto, conforme a nota, por funcionários barbadianos da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM), utilizou o salão da AIRB para realizar uma festa em prol da Cruz Vermelha Inglesa e na qual teve apresentação teatral e duetos musicais. Não foi possível apurar qual peça, nem se foi apresentado em inglês ou português. De todo modo, é possível inferir que este coletivo pode ser anterior a AIRB, posto que são funcionários da EFMM, finalizada em 1912. Provavelmente o coletivo não dispusesse de espaço próprio, daí a necessidade de uso daquela Associação. Teriam sido os barbadianos os primeiros a introduzirem o teatro na cidade de Porto Velho?

Na edição seguinte do Alto Madeira, de número 12, de 24 de junho de 1917, em pequena nota à página 3, consta um relato da sessão de cinema que ocorreu no dia 21 na AIRB e na qual anuncia a “festa mensal” que ocorrerá dia 30 daquele mês, quando será apresentada “uma hilariante comédia, monólogos e cançonetas, seguido de animado baile”. A festa do mês anterior, de maio, conforme nota na edição 09 de 03 de junho, pagina 2, não teve apresentação teatral, apenas danças e poesia, o que foi corrigido com a criação do corpo cênico da AIRB, é o que se pode constatar no capítulo do livro já mencionado e também na edição 14. Desse modo, ainda que tenha a AIRB tenha sido criado em 1916, só no ano seguinte criou seu corpo diletante de atores e atrizes.

A edição de 5 de julho de 1917, à página 3, com o título de Associação Instrutictiva Recreativa e Beneficente, consta uma espécie de relato crítico que merece ser reproduzido na íntegra, inclusive sem correção de sua grafia, para entendermos o processo que passou a ocorrer constantemente na AIRB naquele ano:

Conforme annunciaramos, realisou-se no dia 30 do mez pretérito [junho] a festa mensal que essa importante Sociedade realisa para deleite dos seus socios.

Dia a dia mais se verifica a aceitação que essa Sociedade vae tendo em nosso meio e o apreço em que é tida pela nossa população.

O gosto pela arte dramatica vae sendo despertado e estimulado de tal modo, que dentro de pouco tempo teremos nesta villa organisado um distincto grupo de amadores que nada a deixara desejar em confronto com as cidades mais cultas.

A representação das duas comedias “Dois nenés”, é bem um expoente desse asserto pois, os amadores que nellas tomaram parte, revelaram mais uma vez verdadeira vocação artística.

Não fallaremos de Soares Brega que já é um artista consagrado por platéas adiantadas e que em nosso meio é a alma desse centro artístico que se vae organisando a esforços seus com uma abnegação digna de registo.

Emtanto, deveremos citar a bôa interpretação dada a seus papeis, por Antonio Lopes, Joaquim Candéas, Oscar Theophilo e Por João Monte que fez sua estréa em adoraveis jogos de scena, perfeita dicção e muito chiste.

Num dos intervallos, Antonio Lopes que é um perfeito typo de artista, cantou com muita graça a hilariante cançoneta “Médico afamado” que provocou do auditorio constantes gargalhadas, sendo bisado ao terminar.

Antonio Candéas, cantou também com muito espirito cançoneta “Uma penhora” sendo muito applaudido.

As senhorinhas Maria de Lourdes Dantas e Maria da Paz, interpretaram bem os seus papeis na comedia “Dois nenés”, notando-se porém que ambos precisam de mais estudo, mais cuidado e mais attenção para dentro de breve praso se firmarem no palco.

Nada ficou a desejar dessa representação e os applausos do auditório foram mais uma vez a confirmação plena da victoria que vae obtendo o corpo scenico dessa utilíssima instituição.

Após a representação, seguiram-se animadas danças, notando-se a presença do nosso escól social, representado por mais de trinta senhoras e senhorinhas e por grande numero de cavalheiros.

A orchestra esteve sob a direcção do illustre pianista da Associação Sr. Julio Vigil e prestou-se admiravelmente.

Levando nossos appalusos à illustre directoria dessa importante Associação, apresentamos-lhe sinceras felicitações pelo exito obtido nessa festa (Alto Madeira, 2017, p. 3).

 

Alguns pontos da nota são fundamentais: primeiro conhecer os nomes de algumas pessoas desse corpo cênico diletante, porém, coordenado pelo Soares Braga, que, como afirma a nota tem experiência anterior; segundo, é um grupo misto de homens e mulheres, inclusive com idades distintas, desde jovens (senhorinhas) aos mais experientes, todos preocupados em desenvolver um bom trabalho teatral. O desenvolvimento desse trabalho cênico naquele ano eu aprofundo um pouco mais no capitulo já citado.

           

Alto Madeira, edição 25 de 12
de agosto de 1917, p. 1.

Essas são as observações acerca das edições anteriores ao número 15. No que tange ao período tratado no capítulo do citado livro, números posteriores, mas que só agora tive acesso, alguns elementos merecem destaque. Assim, na edição 25 de 12 de agosto à página 1, a Porto Velho Boys Dramatic volta à cena mais uma vez, no terceiro ano da declaração de guerra entre Inglaterra e Alemanha, realiza uma festa “em defesa dos direitos da Bélgica”, com as receitas revertidas à Cruz Vermelha e às viúvas e órfãos  belgas. Na ocasião foram encenadas comédias, monólogos, bem como canções cômicas foram tocadas. A festa, ainda de acordo com a nota, teve encerramento com o hino nacional e “Presidio o altruístico festival o sr. Vice consul de Ingraterra nesta villa, Mr. W. J. Knox-Little, acompanhado de todos os altos funcionários da Madeira Mamoré Ry. Co.” (ALTO MADEIRA, 1917, p. 1).

Ainda na mesma edição, à página 5, três pequenos avisos acerca da AIRB: o primeiro informa que no dia 20 ocorrerá um festival literário com os “intellectuaes aqui residentes”; o segundo avisa que o teatro da Associação foi cedido à “cançonetista Renata Yolanda”, que realizará no dia seguinte um concurso com os amadores locais; por fim, informa que no sábado seguinte ocorrerá sua festa mensal.

Três edições, já de dezembro, a que tivemos acesso, 62, 63 e 64, apresenta informações acerca de novo clube que a cidade ganhou, o Ideal Club (página 3, na edição 62 de 23 de dezembro), bem como mais uma festa na AIRB (página 1, edição 63 de 27 de dezembro), dessa vez a de natal, que se prolongou até as três da manhã. Na mesma edição, à página 5, sabemos que haverá, no dia seguinte, uma Serata Lítero-Musical na AIRB; ainda na mesma página, há uma nota acerca do Theatro Phenix, que prepara um espetáculo para o dia 29 daquele mês, para solenizar os últimos momentos do ano.

Quanto a última edição daquele ano, 64, de 30 de dezembro, em uma secção nominada Palcos & Telas, o Teatro Phenix anuncia, à página 3, a apresentação da comédia “As convicções do Papa” de Edmund Goudinet, com tradução de Gervásio Lobato – e que fora sucesso em Lisboa – e também “O fado” de Bento Mantua. Ficamos sabendo também que a nova diretoria da AIRB será empossada, com vigência para o ano de 1918. Mesmo no final do ano, tanto na AIRB quanto no Teatro Phenix havia muita movimentação artística.

Aqui encerramos nosso texto, que se propôs a complementar a pesquisa anterior. Pesquisas futuras precisam trazer à luz os mais de 100 anos de história do teatro na capital rondoniense.

 

Referências

ALTO MADEIRA, edições 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 25, 62, 63 e 64. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=060160&pagfis=37760. Acesso em: 25 abr. 2024.

BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.

SILVA, Sônia Maria de Meneses. Nação de papel: o jornal como possibilidade de investigação histórica na problemática da construção nacional no século XIX. In: FREITAS, Antonio de Pádua Santiago de; BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto; DAMASCENO, Francisco José Gomes (Orgs.). Pesquisa histórica: fontes e trajetórias. Fortaleza: EdUECE; Abeu, 2008.

TEIXEIRA, Adailtom Alves. O teatro em Porto Velho em 1917: pistas e sinais a partir do jornal Alto Madeira. In: TEIXEIRA, Adailtom Alves; MOREIRA, Jussara Trindade (Orgs.). Paky`op: experiências, travessias, práxis cênica e docência em teatro. Porto Velho, RO: Edufro, 2022. Disponível em:  https://edufro.unir.br/uploads/08899242/Edital%202019/PAKY%20OP.pdf. Acesso em: 25 abr. 2024.



[1] Doutor e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP; graduado em história pela UNICSUL; professor adjunto da Universidade Federal de Rondônia; ator, diretor e dramaturgo; integrante do Teatro Ruante.

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