Adailtom Alves Teixeira[1]
Pesquisar, vem do latim perquiro, que significa procurar, buscar com cuidado. Todos nós lidamos com algum tipo de pesquisa em nosso cotidiano. No entanto, a pesquisa científica significa “a investigação feita com o objetivo expresso de obter conhecimento específico e estruturado sobre um assunto preciso” (Bagno, 2002, p. 18). Nosso assunto de interesse é o teatro em Porto Velho, que toma como fonte o jornal Alto Madeira. Nesse sentido, “o jornal pode auxiliar-nos na compreensão de grupos sociais e contextos passados” (Silva, 2008, p. 27). Ainda que nenhuma fonte única dê conta da complexidade dos contextos e das relações humanas, mas apresenta pistas significativas, que precisam serem problematizadas. Porém, nosso intuito aqui é mais realizar um relato de complemento a uma pesquisa anterior.
Em 2022 organizei com Jussara Trindade Moreira um livro, publicado pela Edufro, editora da Universidade Federal de Rondônia. No livro consta um capítulo escrito por mim, fruto de uma pesquisa na qual tomei como fonte primária o jornal Alto Madeira e é intitulado “O teatro em Porto Velho em 1917: pistas e sinais a partir do jornal Alto Madeira” (o livro pode ser baixado aqui: https://edufro.unir.br/uploads/08899242/Edital%202019/PAKY%20OP.pdf).
Por que se fez necessário um complemento a aquele texto?
Como poderá ser constatado com a leitura, ali informo que tive acesso apenas as
edições do número 15 em diante no período tratado. Ocorre que consegui acessar
mais sete edições anteriores, números 5, 7, 9, 10, 11, 12 e 13, que recua até
maio daquele ano, 1917 (o jornal teve início em abril). Além disso, tive acesso
a outras quatro edições do segundo semestre do período em tela: 25, 62, 63 e
64.
Alto Madeira, edição 11 de 17 de junho de 1917, p. 2. |
Na edição seguinte do Alto Madeira, de número 12, de 24
de junho de 1917, em pequena nota à página 3, consta um relato da sessão de
cinema que ocorreu no dia 21 na AIRB e na qual anuncia a “festa mensal” que
ocorrerá dia 30 daquele mês, quando será apresentada “uma hilariante comédia,
monólogos e cançonetas, seguido de animado baile”. A festa do mês anterior, de
maio, conforme nota na edição 09 de 03 de junho, pagina 2, não teve
apresentação teatral, apenas danças e poesia, o que foi corrigido com a criação
do corpo cênico da AIRB, é o que se pode constatar no capítulo do livro já
mencionado e também na edição 14. Desse modo, ainda que tenha a AIRB tenha sido
criado em 1916, só no ano seguinte criou seu corpo diletante de atores e
atrizes.
A edição de 5 de julho de 1917, à página 3, com o título
de Associação Instrutictiva Recreativa e Beneficente, consta uma espécie de
relato crítico que merece ser reproduzido na íntegra, inclusive sem correção de
sua grafia, para entendermos o processo que passou a ocorrer constantemente na
AIRB naquele ano:
Conforme
annunciaramos, realisou-se no dia 30 do mez pretérito [junho] a festa mensal
que essa importante Sociedade realisa para deleite dos seus socios.
Dia a dia mais
se verifica a aceitação que essa Sociedade vae tendo em nosso meio e o apreço
em que é tida pela nossa população.
O gosto pela
arte dramatica vae sendo despertado e estimulado de tal modo, que dentro de
pouco tempo teremos nesta villa organisado um distincto grupo de amadores que
nada a deixara desejar em confronto com as cidades mais cultas.
A representação
das duas comedias “Dois nenés”, é bem um expoente desse asserto pois, os
amadores que nellas tomaram parte, revelaram mais uma vez verdadeira vocação
artística.
Não fallaremos
de Soares Brega que já é um artista consagrado por platéas adiantadas e que em
nosso meio é a alma desse centro artístico que se vae organisando a esforços
seus com uma abnegação digna de registo.
Emtanto,
deveremos citar a bôa interpretação dada a seus papeis, por Antonio Lopes,
Joaquim Candéas, Oscar Theophilo e Por João Monte que fez sua estréa em
adoraveis jogos de scena, perfeita dicção e muito chiste.
Num dos
intervallos, Antonio Lopes que é um perfeito typo de artista, cantou com muita
graça a hilariante cançoneta “Médico afamado” que provocou do auditorio
constantes gargalhadas, sendo bisado ao terminar.
Antonio Candéas,
cantou também com muito espirito cançoneta “Uma penhora” sendo muito
applaudido.
As senhorinhas
Maria de Lourdes Dantas e Maria da Paz, interpretaram bem os seus papeis na
comedia “Dois nenés”, notando-se porém que ambos precisam de mais estudo, mais
cuidado e mais attenção para dentro de breve praso se firmarem no palco.
Nada ficou a
desejar dessa representação e os applausos do auditório foram mais uma vez a
confirmação plena da victoria que vae obtendo o corpo scenico dessa utilíssima
instituição.
Após a
representação, seguiram-se animadas danças, notando-se a presença do nosso
escól social, representado por mais de trinta senhoras e senhorinhas e por
grande numero de cavalheiros.
A orchestra
esteve sob a direcção do illustre pianista da Associação Sr. Julio Vigil e
prestou-se admiravelmente.
Levando nossos
appalusos à illustre directoria dessa importante Associação, apresentamos-lhe
sinceras felicitações pelo exito obtido nessa festa (Alto Madeira, 2017, p. 3).
Alguns pontos da nota são fundamentais: primeiro conhecer
os nomes de algumas pessoas desse corpo cênico diletante, porém, coordenado
pelo Soares Braga, que, como afirma a nota tem experiência anterior; segundo, é
um grupo misto de homens e mulheres, inclusive com idades distintas, desde
jovens (senhorinhas) aos mais experientes, todos preocupados em desenvolver um
bom trabalho teatral. O desenvolvimento desse trabalho cênico naquele ano eu
aprofundo um pouco mais no capitulo já citado.
Alto Madeira, edição 25 de 12 de agosto de 1917, p. 1. |
Ainda na mesma edição, à página 5, três pequenos avisos acerca da AIRB: o primeiro informa que no dia 20 ocorrerá um festival literário com os “intellectuaes aqui residentes”; o segundo avisa que o teatro da Associação foi cedido à “cançonetista Renata Yolanda”, que realizará no dia seguinte um concurso com os amadores locais; por fim, informa que no sábado seguinte ocorrerá sua festa mensal.
Três edições, já de dezembro, a que tivemos acesso, 62, 63 e 64, apresenta informações acerca de novo clube que a cidade ganhou, o Ideal Club (página 3, na edição 62 de 23 de dezembro), bem como mais uma festa na AIRB (página 1, edição 63 de 27 de dezembro), dessa vez a de natal, que se prolongou até as três da manhã. Na mesma edição, à página 5, sabemos que haverá, no dia seguinte, uma Serata Lítero-Musical na AIRB; ainda na mesma página, há uma nota acerca do Theatro Phenix, que prepara um espetáculo para o dia 29 daquele mês, para solenizar os últimos momentos do ano.
Quanto a última edição daquele ano, 64, de 30 de dezembro, em uma secção nominada Palcos & Telas, o Teatro Phenix anuncia, à página 3, a apresentação da comédia “As convicções do Papa” de Edmund Goudinet, com tradução de Gervásio Lobato – e que fora sucesso em Lisboa – e também “O fado” de Bento Mantua. Ficamos sabendo também que a nova diretoria da AIRB será empossada, com vigência para o ano de 1918. Mesmo no final do ano, tanto na AIRB quanto no Teatro Phenix havia muita movimentação artística.
Aqui encerramos nosso texto, que se propôs a complementar a pesquisa anterior. Pesquisas futuras precisam trazer à luz os mais de 100 anos de história do teatro na capital rondoniense.
Referências
ALTO
MADEIRA, edições 5, 7, 9, 10, 11, 12,
13, 25, 62, 63 e 64. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=060160&pagfis=37760. Acesso em: 25 abr. 2024.
BAGNO, Marcos. Pesquisa
na escola: o que é, como se faz. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.
SILVA, Sônia Maria de Meneses. Nação de papel: o jornal
como possibilidade de investigação histórica na problemática da construção
nacional no século XIX. In: FREITAS,
Antonio de Pádua Santiago de; BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto; DAMASCENO,
Francisco José Gomes (Orgs.). Pesquisa
histórica: fontes e trajetórias. Fortaleza: EdUECE; Abeu, 2008.
TEIXEIRA, Adailtom Alves. O
teatro em Porto Velho em 1917: pistas e sinais a partir do jornal Alto Madeira.
In: TEIXEIRA, Adailtom Alves;
MOREIRA, Jussara Trindade (Orgs.). Paky`op:
experiências, travessias, práxis cênica e docência em teatro. Porto Velho,
RO: Edufro, 2022. Disponível em: https://edufro.unir.br/uploads/08899242/Edital%202019/PAKY%20OP.pdf. Acesso em: 25 abr. 2024.
[1] Doutor e mestre em Artes pelo Instituto
de Artes da UNESP; graduado em história pela UNICSUL; professor adjunto da
Universidade Federal de Rondônia; ator, diretor e dramaturgo; integrante do
Teatro Ruante.
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