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sexta-feira, 24 de maio de 2024

A dificuldade de fazer valer o direito à arte e cultura aos cidadãos rondonienses

 

Adailtom Alves Teixeira[1]

Relembrando Fanon, eu diria que a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo.

Ana Mae Barbosa - Inquietações no ensino de arte

Arte e vida estão umbilicalmente ligadas. A arte produzida em uma cidade, em um estado ou país, é construtora da identidade dessas realidades. Por meio da arte refletimos quem somos, ao mesmo tempo em que questionamos o que somos, isso porque arte também é conhecimento. A arte é um dos elementos fundantes da cultura de um povo e não há nenhuma sociedade desenvolvida ou dita civilizada que prescindiu do investimento nesse campo ao longo de seu desenvolvimento histórico. Por isso mesmo, desde a Constituição Federal de 1988, a cultura está assegurada como direito. Quem tem esse direito? A sociedade como um todo, homens e mulheres tem assegurados sua possibilidade de expressão, bem como o acesso aos bens culturais produzidos. Daí a importância das políticas públicas de cultura, pois são elas que asseguram esse direito constitucional.

O estado de Rondônia engatinha nas políticas públicas de cultura. Sua construção data de pouco mais de uma década e os primeiros editais a contemplarem algumas setoriais artísticas são de 2017. O custo disso é o alijamento dessa potente cadeia produtiva, que gera renda e muitos empregos diretos e indiretos. Os maiores recursos investidos em cultura no estado vieram de políticas emergenciais, uma conquista dos artistas de todo o país, que, por meio de sua luta, conseguiram fazer com que o Congresso os enxergassem em um momento tão difícil em todo o mundo. Estou me referindo à pandemia de Covid-19. Da luta dos/as artistas em aliança com os/as parlamentares nasceram as leis federais Aldir Blanc (14.017/2020) e a Paulo Gustavo (195/2022), por meio das quais foram destinados recursos à todas unidades federativas. A última, a Lei Paulo Gustavo (LPG), ainda não foi executada em Rondônia.


Na sessão parlamentar da Assembleia Legislativa (ALE) de 23 de maio de 2024, um dos itens de pauta era a autorização dos recursos da ordem de pouco mais de 26 milhões para serem utilizados pela Secretaria de Cultura, Esporte, Juventude e Lazer (Sejucel), para, justamente, fazer com que a LPG fosse posta em prática. Na ocasião, o parlamentar Delegado Camargo (Republicanos), pediu vistas do processo, atrasando ainda mais sua execução. Conforme vídeo que circula na internet e redes sociais (https://www.instagram.com/p/C7VhF2_M4m9/), dois outros parlamentares esclareceram que os recursos não têm impactos fiscais para o estado e que o prazo está próximo de seu encerramento, isto é, se o simples ato autorizativo (é tudo que lhes cabe) da ALE não ocorrer dentro do prazo, os recursos irão retornar aos cofres federais, deixando a cadeia artística ainda mais debilitada. Cabe destacar que os recursos daí advindos não impactam apenas artistas, mas toda a economia local, afinal, na execução dos projetos culturais os recursos circulam pela rede hoteleira, restaurantes, gráficas, transportes, entre outros.

O desconhecimento do parlamentar Camargo, disfarçado de zelo pelos recursos públicos, é um escárnio aos fazedores de cultura de Rondônia, pois ao pedir vistas do processo – ainda que seja direito de todo/a parlamentar – não só atrasa a execução da LPG, mas põe em risco a perda desse importante recurso federal. Por isso, não é possível ver de outro modo, se não como um ataque direto às artes e à cultura rondoniense. Apesar disso, ouso afirmar que nem mesmo esse tipo de político é capaz de viver sem arte, pois é certo que deve escutar alguma música, assistir algum filme, série ou novela e, ainda que mais raro, deve ter lido algum livro ao longo de sua vida; e, quando tem filhos/as, esse tipo de pessoa costuma colocá-los em escolas de dança, de música, de artes plásticas etc., com o fito de melhor prepará-los para a vida. Espero que o citado parlamentar, mas não só, saiba que todos esses elementos são arte e compõem uma cadeia produtiva em nosso país. Cabe destacar ainda que é esse tipo de político que também costuma frequentar os grandes eventos culturais do estado, como Flor do Maracujá, Duelo na Fronteira, dentre outros, à caça de votos.

O saudoso Leonel Brizola afirmava que cultura “não dá votos, mas tira”. Que cada artista do estado de Rondônia conheça bem seus políticos e saibam pintá-los ao público que lhes prestigia conforme à realidade como tais políticos agem em relação à arte; quem sabe, assim, possamos arrancar do parlamento e outras instâncias de poder os inimigos da cultura.



[1] Mestre e doutor em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp); professor adjunto do Departamento Acadêmico de Artes da Universidade Federal de Rondônia.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

A arte encantadora do circo: Le Petit Cirque

Adailtom Alves Teixeira

Tradicionalmente a arte milenar do circo sempre uniu dois opostos estéticos: o sublime e o grotesco, por meio do belo e do riso; bem como dois sentimentos humanos também opostos: encantamento e medo, por meio da execução de números que envolvem dificuldades e riscos. Há, nesses opostos, ao longo de um espetáculo circense, tensão e relaxamento.

Artistas do Le Petiti Cirque. Foto: divulgação

Estive ontem acompanhando, em família, o espetáculo do Le Petit Cirque, que permanecerá em Porto Velho até o dia 26 de maio. Últimos dias dessa grande atração e visando chegar àquelas pessoas que ainda não assistiram ao espetáculo (ou aquelas que desejam rever), colocaram em todos os setores o valor da entrada ao preço de meia. E desde já afirmo: imperdível!

O espetáculo de quase duas horas, com um pequeno intervalo, entrega o que promete. Uma trupe de treze artistas se reversam em diversos números no qual estão os opostos a que já aludimos. Tudo executado com absoluta maestria. O circo de apenas três anos de existência reuniu um grupo de artistas competentes que dominam as técnicas tradicionais circenses: malabares, ilusionismo, equilibrismo, acrobacia, aéreos e, evidentemente, a arte da palhaçaria.

Palhaço do Le Petit Cirque. Foto: divulgação.

Outro aspecto digno de nota é que todos os/as integrantes, do administrador ao mestre de pista (apresentador), passando pelos palhaços e pelas partners, são pessoas jovens. O que demonstra o quão viva continua a arte milenar circense. Não deixe de comparecer e conferir o grandioso espetáculo do Le Petit Cirque.







SERVIÇO

O que: Le Petit Cirque

Onde: Estacionamento do Porto Velho Shopping

Quando: de terça a domingo até 26 de maio

Quanto: meia entrada em todos os setores

Maiores informações: redes sociais – https://www.instagram.com/lepetit.cirque/

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Teatro em Porto Velho em 1917: complemento de uma pesquisa

 

Adailtom Alves Teixeira[1]

 

Pesquisar, vem do latim perquiro, que significa procurar, buscar com cuidado. Todos nós lidamos com algum tipo de pesquisa em nosso cotidiano. No entanto, a pesquisa científica significa “a investigação feita com o objetivo expresso de obter conhecimento específico e estruturado sobre um assunto preciso” (Bagno, 2002, p. 18). Nosso assunto de interesse é o teatro em Porto Velho, que toma como fonte o jornal Alto Madeira. Nesse sentido, “o jornal pode auxiliar-nos na compreensão de grupos sociais e contextos passados” (Silva, 2008, p. 27). Ainda que nenhuma fonte única dê conta da complexidade dos contextos e das relações humanas, mas apresenta pistas significativas, que precisam serem problematizadas. Porém, nosso intuito aqui é mais realizar um relato de complemento a uma pesquisa anterior.

Em 2022 organizei com Jussara Trindade Moreira um livro, publicado pela Edufro, editora da Universidade Federal de Rondônia. No livro consta um capítulo escrito por mim, fruto de uma pesquisa na qual tomei como fonte primária o jornal Alto Madeira e é intitulado “O teatro em Porto Velho em 1917: pistas e sinais a partir do jornal Alto Madeira” (o livro pode ser baixado aqui: https://edufro.unir.br/uploads/08899242/Edital%202019/PAKY%20OP.pdf).

Por que se fez necessário um complemento a aquele texto? Como poderá ser constatado com a leitura, ali informo que tive acesso apenas as edições do número 15 em diante no período tratado. Ocorre que consegui acessar mais sete edições anteriores, números 5, 7, 9, 10, 11, 12 e 13, que recua até maio daquele ano, 1917 (o jornal teve início em abril). Além disso, tive acesso a outras quatro edições do segundo semestre do período em tela: 25, 62, 63 e 64.

           

Alto Madeira, edição 11 de
17 de junho de 1917, p. 2.

No que tange ao espaço específico em que ocorreram as apresentações naquele ano de 1917, no qual é possível aludir como um início do teatro na cidade, ou pelo menos, início dos primeiros registros acerca dessa linguagem artística, o destaque continua sendo a Associação Instrutiva, Recreativa e Beneficente de Porto Velho (AIRB). Tal Associação compôs um corpo cênico com seus associados. Porém, por meio das novas edições do Alto Madeira, especialmente a de número 11 de 17 de junho, tomamos conhecimento que The Porto Velho Boys Dramatic Association, composto, conforme a nota, por funcionários barbadianos da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM), utilizou o salão da AIRB para realizar uma festa em prol da Cruz Vermelha Inglesa e na qual teve apresentação teatral e duetos musicais. Não foi possível apurar qual peça, nem se foi apresentado em inglês ou português. De todo modo, é possível inferir que este coletivo pode ser anterior a AIRB, posto que são funcionários da EFMM, finalizada em 1912. Provavelmente o coletivo não dispusesse de espaço próprio, daí a necessidade de uso daquela Associação. Teriam sido os barbadianos os primeiros a introduzirem o teatro na cidade de Porto Velho?

Na edição seguinte do Alto Madeira, de número 12, de 24 de junho de 1917, em pequena nota à página 3, consta um relato da sessão de cinema que ocorreu no dia 21 na AIRB e na qual anuncia a “festa mensal” que ocorrerá dia 30 daquele mês, quando será apresentada “uma hilariante comédia, monólogos e cançonetas, seguido de animado baile”. A festa do mês anterior, de maio, conforme nota na edição 09 de 03 de junho, pagina 2, não teve apresentação teatral, apenas danças e poesia, o que foi corrigido com a criação do corpo cênico da AIRB, é o que se pode constatar no capítulo do livro já mencionado e também na edição 14. Desse modo, ainda que tenha a AIRB tenha sido criado em 1916, só no ano seguinte criou seu corpo diletante de atores e atrizes.

A edição de 5 de julho de 1917, à página 3, com o título de Associação Instrutictiva Recreativa e Beneficente, consta uma espécie de relato crítico que merece ser reproduzido na íntegra, inclusive sem correção de sua grafia, para entendermos o processo que passou a ocorrer constantemente na AIRB naquele ano:

Conforme annunciaramos, realisou-se no dia 30 do mez pretérito [junho] a festa mensal que essa importante Sociedade realisa para deleite dos seus socios.

Dia a dia mais se verifica a aceitação que essa Sociedade vae tendo em nosso meio e o apreço em que é tida pela nossa população.

O gosto pela arte dramatica vae sendo despertado e estimulado de tal modo, que dentro de pouco tempo teremos nesta villa organisado um distincto grupo de amadores que nada a deixara desejar em confronto com as cidades mais cultas.

A representação das duas comedias “Dois nenés”, é bem um expoente desse asserto pois, os amadores que nellas tomaram parte, revelaram mais uma vez verdadeira vocação artística.

Não fallaremos de Soares Brega que já é um artista consagrado por platéas adiantadas e que em nosso meio é a alma desse centro artístico que se vae organisando a esforços seus com uma abnegação digna de registo.

Emtanto, deveremos citar a bôa interpretação dada a seus papeis, por Antonio Lopes, Joaquim Candéas, Oscar Theophilo e Por João Monte que fez sua estréa em adoraveis jogos de scena, perfeita dicção e muito chiste.

Num dos intervallos, Antonio Lopes que é um perfeito typo de artista, cantou com muita graça a hilariante cançoneta “Médico afamado” que provocou do auditorio constantes gargalhadas, sendo bisado ao terminar.

Antonio Candéas, cantou também com muito espirito cançoneta “Uma penhora” sendo muito applaudido.

As senhorinhas Maria de Lourdes Dantas e Maria da Paz, interpretaram bem os seus papeis na comedia “Dois nenés”, notando-se porém que ambos precisam de mais estudo, mais cuidado e mais attenção para dentro de breve praso se firmarem no palco.

Nada ficou a desejar dessa representação e os applausos do auditório foram mais uma vez a confirmação plena da victoria que vae obtendo o corpo scenico dessa utilíssima instituição.

Após a representação, seguiram-se animadas danças, notando-se a presença do nosso escól social, representado por mais de trinta senhoras e senhorinhas e por grande numero de cavalheiros.

A orchestra esteve sob a direcção do illustre pianista da Associação Sr. Julio Vigil e prestou-se admiravelmente.

Levando nossos appalusos à illustre directoria dessa importante Associação, apresentamos-lhe sinceras felicitações pelo exito obtido nessa festa (Alto Madeira, 2017, p. 3).

 

Alguns pontos da nota são fundamentais: primeiro conhecer os nomes de algumas pessoas desse corpo cênico diletante, porém, coordenado pelo Soares Braga, que, como afirma a nota tem experiência anterior; segundo, é um grupo misto de homens e mulheres, inclusive com idades distintas, desde jovens (senhorinhas) aos mais experientes, todos preocupados em desenvolver um bom trabalho teatral. O desenvolvimento desse trabalho cênico naquele ano eu aprofundo um pouco mais no capitulo já citado.

           

Alto Madeira, edição 25 de 12
de agosto de 1917, p. 1.

Essas são as observações acerca das edições anteriores ao número 15. No que tange ao período tratado no capítulo do citado livro, números posteriores, mas que só agora tive acesso, alguns elementos merecem destaque. Assim, na edição 25 de 12 de agosto à página 1, a Porto Velho Boys Dramatic volta à cena mais uma vez, no terceiro ano da declaração de guerra entre Inglaterra e Alemanha, realiza uma festa “em defesa dos direitos da Bélgica”, com as receitas revertidas à Cruz Vermelha e às viúvas e órfãos  belgas. Na ocasião foram encenadas comédias, monólogos, bem como canções cômicas foram tocadas. A festa, ainda de acordo com a nota, teve encerramento com o hino nacional e “Presidio o altruístico festival o sr. Vice consul de Ingraterra nesta villa, Mr. W. J. Knox-Little, acompanhado de todos os altos funcionários da Madeira Mamoré Ry. Co.” (ALTO MADEIRA, 1917, p. 1).

Ainda na mesma edição, à página 5, três pequenos avisos acerca da AIRB: o primeiro informa que no dia 20 ocorrerá um festival literário com os “intellectuaes aqui residentes”; o segundo avisa que o teatro da Associação foi cedido à “cançonetista Renata Yolanda”, que realizará no dia seguinte um concurso com os amadores locais; por fim, informa que no sábado seguinte ocorrerá sua festa mensal.

Três edições, já de dezembro, a que tivemos acesso, 62, 63 e 64, apresenta informações acerca de novo clube que a cidade ganhou, o Ideal Club (página 3, na edição 62 de 23 de dezembro), bem como mais uma festa na AIRB (página 1, edição 63 de 27 de dezembro), dessa vez a de natal, que se prolongou até as três da manhã. Na mesma edição, à página 5, sabemos que haverá, no dia seguinte, uma Serata Lítero-Musical na AIRB; ainda na mesma página, há uma nota acerca do Theatro Phenix, que prepara um espetáculo para o dia 29 daquele mês, para solenizar os últimos momentos do ano.

Quanto a última edição daquele ano, 64, de 30 de dezembro, em uma secção nominada Palcos & Telas, o Teatro Phenix anuncia, à página 3, a apresentação da comédia “As convicções do Papa” de Edmund Goudinet, com tradução de Gervásio Lobato – e que fora sucesso em Lisboa – e também “O fado” de Bento Mantua. Ficamos sabendo também que a nova diretoria da AIRB será empossada, com vigência para o ano de 1918. Mesmo no final do ano, tanto na AIRB quanto no Teatro Phenix havia muita movimentação artística.

Aqui encerramos nosso texto, que se propôs a complementar a pesquisa anterior. Pesquisas futuras precisam trazer à luz os mais de 100 anos de história do teatro na capital rondoniense.

 

Referências

ALTO MADEIRA, edições 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 25, 62, 63 e 64. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=060160&pagfis=37760. Acesso em: 25 abr. 2024.

BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.

SILVA, Sônia Maria de Meneses. Nação de papel: o jornal como possibilidade de investigação histórica na problemática da construção nacional no século XIX. In: FREITAS, Antonio de Pádua Santiago de; BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto; DAMASCENO, Francisco José Gomes (Orgs.). Pesquisa histórica: fontes e trajetórias. Fortaleza: EdUECE; Abeu, 2008.

TEIXEIRA, Adailtom Alves. O teatro em Porto Velho em 1917: pistas e sinais a partir do jornal Alto Madeira. In: TEIXEIRA, Adailtom Alves; MOREIRA, Jussara Trindade (Orgs.). Paky`op: experiências, travessias, práxis cênica e docência em teatro. Porto Velho, RO: Edufro, 2022. Disponível em:  https://edufro.unir.br/uploads/08899242/Edital%202019/PAKY%20OP.pdf. Acesso em: 25 abr. 2024.



[1] Doutor e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP; graduado em história pela UNICSUL; professor adjunto da Universidade Federal de Rondônia; ator, diretor e dramaturgo; integrante do Teatro Ruante.