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terça-feira, 2 de maio de 2023

Políticas públicas de cultura e memória teatral

Por Adailtom Alves Teixeira

Por meio de um doutoramento em Artes, desde março de 2020 estou as voltas com uma pesquisa acerca do teatro portovelhense, cobrindo quatro décadas de história (1978-2018), tal pesquisa se iniciou um pouco antes, em 2017, com a realização de um projeto de extensão que coordenei, chamado de "Conversas de quinta: arte e cultura em debate", ligado ao Departamento de Artes da Universidade Federal de Rondônia (Unir). No projeto registrei alguns fazedores da cena local em uma conversa descontraída, na presença de estudantes do Curso Licenciatura em Teatro da Unir - cabe destacar que muitos têm décadas de atuação. O objetivo naquele momento, além de gerar documentos por meio do registro audiovisual, era provocar a estudantada para conhecerem quem veio antes deles e, quem sabe, dali pudesse surgir projetos de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Nesse meio tempo fui buscando registros em publicações, mas descobri que Rondônia figurava como o único estado no qual não havia nenhum livro específico publicado sobre o teatro produzido por estes rincões, ainda que a linguagem artística esteja presente desde muito cedo na história de Porto Velho. A ausência dessa memória me levou a querer realizar a tarefa de juntar documentos (para acompanhar, ver outras postagens neste blog e no meu canal no Youtube) e produzir uma reflexão histórica mais aprofundada, daí o doutorado para tal tarefa. Na investigação, me deparei com algumas páginas em um livro sobre a cultura local e alguns TCCs - devido ao primeiro curso de teatro à distância, uma parceria entre Unir e Universidade de Brasília (UnB) -, foi tudo que encontrei inicialmente.

Em 2020 veio a pandemia de Covid-19 e houve uma luta imensa em todo país para que houvesse alguma política pública que amparasse os artistas brasileiros. Com uma imensa mobilização nacional e apoio de muitos congressistas, se conquistou a Lei Aldir Blanc. Graças a esta lei, Rondônia recebeu um recurso destinado à cultura que nunca havia visto. Foi nesse bojo que sugiram alguns projetos de memória da cena local e outras reflexões. Isso por si só já demonstra a importância da política pública de cultura para o fortalecimento da memória cultural - outros tantos pontos poderiam serem destacados, mas nosso foco aqui é o registro histórico e as reflexões teatrais produzidas via políticas públicas.

A universidade também tem seu papel na produção de conhecimento e na disseminação de tais conhecimentos e se, por um lado, já havia algumas pesquisas em curso na área teatral, posto que desde 20210 há um curso de terceiro grau no estado, faltava as condições de materializar tais produções em livros, de maneira a que mais pessoas tivessem acesso. A Edufro, editora da Unir, lançou um edital para quem tivesse interesse em publicar o que vinha pesquisando. São desses dois lugares fundamentais, universidade pública e políticas públicas de cultura, que Rondônia viu surgir as primeiras produções específicas da linguagem teatral. (Cabe mencionar um livro sobre maquiagem teatral, ao qual não tive acesso, escrito por Firminetto Mendes; a informação foi citada pelo próprio autor em entrevista).

Os dois livros lançados pela Edufro em 2022 podem ser baixados gratuitamente. O primeiro, organizado por Adailtom Alves Teixeira e Jussara Trindade Moreira, trás a contribuição dos professores do Curso Licenciatura em Teatro da Unir, com reflexões sobre o ensino da linguagem e sobre a história do teatro em Porto Velho no início do século XX. O livro pode ser baixado aqui. O segundo, também lançado pela Edufro, é organizado por Valdete Souza e apresenta contribuições acerca do teatro praticado no estado de Rondônia, cabe destacar o capítulo dedicado ao Wankabuki, coletivo de Vilhena da qual a organizadora é integrante fundadora. O livro pode ser baixado aqui.


Com relação aos livros gerados graças a Lei Aldir Blanc, o primeiro é de 2021, "A arte de produzir bonecos e sua manipulação: a estética e a plástica dos bonequeiros de Porto Velho" de Maria Luzia Ferreira Santos, lançado pela editora Temática e nos apresenta, por meio de entrevistas, dez bonequeiros e/ou confeccionadores de bonecos de vários tipos. O segundo livro, de 2022, é organizado por Andressa Batista, Jessiane Gisele, Ana Paula Alab e Valeska Alvim, "Foco nelas: mulheres nos bastidores da cena teatral do Acre e de Rondônia", como o título deixa patente, trata-se da apresentação de uma miríade de mulheres produtoras dos dois citados citados no título; a editora é a Semear Cultura. Cabe destacar que Andressa Batista lançou também um livro infantil voltado para o universo teatral, "Lara vai ao teatro", no qual cria uma história para que as crianças possam conhecer os/as diversos/as profissionais envolvidos nessa linguagem artística. O quarto livro, também da Semear Cultura, é de Júnior Lopes, professor do Curso de Teatro da Unir. O autor faz uma reflexão sobre teatro e universo virtual no calor da hora, isto é, de como artistas tiveram que se reinventar durante a pandemia, saindo de uma linguagem da arte da presença, para o universo online. Desse modo, o autor forja o conceito de "neteatro" e "netespectadores" a partir de sua própria experiência durante momento tão difícil, além de apresentar a dramaturgia criada por ele para o universo virtual. O livro também foi lançado pela Semear Cultura em 2022 (mais sobre a editora/produtora, aqui). Além disso, Chicão Santos produziu um vídeo documentário acerca dos espaços teatrais na cidade de Porto Velho, também graças a Lei Aldir Blanc (para acessá-lo, aqui) e um portal com documentos, sobretudo sobre sua atuação em mais de quatro décadas de teatro (aqui). 

Fica destacado a importância das políticas públicas de cultura na forma de editais públicos para o fortalecimento da memória cultural da cidade de Porto Velho e do estado de Rondônia, pois de zero produção livresca, tivemos um salto quantitativo imenso, graças ao edital da Edufro/Unir e da Lei Aldir Blanc. No entanto, há ainda muito por se conhecer, que venham mais livros por aí.

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